Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
estética teatral em Artaud com a criação do gozo-sentido extraído dessa expressão. “O<br />
menor átomo de ‘sedi di shacina’ (risos) – criação espontânea que eu queria falar<br />
(risos) – é um mundo mais complexo e revelador do que qualquer metafísica. Destruir<br />
com aplicação e maldade onde se impede o livre exercício do pensamento” (Relato de<br />
A. em entrevista).<br />
A. explica que a expressão “sedi di shacina” deve ser usada livremente, fora de toda<br />
capacidade conhecida do pensamento. Segundo ele, a “sedi di shacina” é o instrumento<br />
que Artaud nunca conseguiu fabricar. Artaud assim diz: “há trinta anos que escrevo e<br />
ainda não encontrei o instrumento que nunca deixei de forjar”. A. o encontrou, é o<br />
“sedi di shacina”. Ele, A., cumpre para Artaud a mesma função que Philippe Lyon, o<br />
primeiro santo da Igreja Católica, segundo ele, cumpriu para Cristo: ser seu instrumento<br />
na missão de propagar os princípios e a fé católica. A. o faria em relação ao teatro da<br />
crueldade, materializando o instrumento impossível do gozo de Deus-Artaud. É, no<br />
final das contas, ele mesmo quem se oferece como objeto desse gozo impossível.<br />
Importante destacar aí a prevalência do semblante sobre o significante para tentar dar<br />
corpo à letra que não se escreve como nó. A. se oferece como instrumento de Artaud e<br />
seu teatro, alienando-se em seu texto, no qual é completamente absorvido. Talvez, por<br />
isso, sua escrita não faça letra como artifício, não funcione como suporte ao<br />
significante. É o significante real e impositivo advindo do campo do Outro que parece<br />
falar nele.<br />
“E a minha mensagem é o seguinte: eu conheço o camarada [Artaud]. Envia pra ele<br />
atenção, que ele realmente proporciona algo corpóreo a quem assiste o teatro do<br />
[inaudível]. Isso me faz me sentir muito bem porque um rei precisa de outro. Praticamente,<br />
se não fosse o teatro da crueldade, como é que existia a ‘sedi di shacina’? Não ia existir,<br />
né? E o cara que criou o teatro da crueldade tá lá, criando teatro da crueldade” (Relato de<br />
A. em entrevista).<br />
Essa alienação que o delírio veicula aparece também na invenção do “departamento<br />
executivo da vontade do pai”, um nível superior no qual se encontram os grandes<br />
homens, como Artaud, Van Gogh, Glauber Rocha, Philippe de Lyon e seu próprio pai,<br />
já falecido. A. se comunica com todos. Ele associa a “vontade executiva” à “sedi di<br />
shacina”, enquanto vontade do pai. É o máximo da criação espontânea, do milagre<br />
instantâneo do pai. Foi o “departamento executivo que criou a “sedi di shacina”. É a<br />
criação máxima do milagre do pai. Ela veio depois de crucificado Jesus, mas foi por<br />
isso que ele foi crucificado”.<br />
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