Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Figura 30 – Esfera armilar, esfera armilar com erro, esfera armilar borromeana (LACAN, 1975-76/2005,<br />
35-36)<br />
Lacan utiliza esse recurso da mostração como método que evidencia a descrença no<br />
objeto e na possibilidade dele ser apreendido por algum órgão. O órgão seria percebido<br />
como uma ferramenta separada e, nesse sentido, seria conhecido como um objeto em si<br />
mesmo. A análise operaria pela restituição do sujeito, dividido pela operação da<br />
linguagem enquanto aparelho de gozo 83 . Enquanto ciência do real a psicanálise fez de<br />
seu objeto sujeito, sujeito que é, de si mesmo, dividido. Donde Lacan buscar outra<br />
materialidade com a topologia para pensar o falasser.<br />
Ele aponta que o princípio do nó borromeano é o par de dois toros, dobrados um sobre o<br />
outro e atravessados, no furo que se funda entre eles, por uma reta infinita. Essa reta<br />
infinita faz desse furo um verdadeiro furo; mas ela está solta. E, se essa reta se solta,<br />
uma reparação deverá ser feita para articulá-la aos outros dois toros novamente. Esse é o<br />
artifício imposto pelos nós. Trata-se de um artifício de representação, de perspectiva,<br />
pois é preciso que se faça uma suplência à continuidade aí imposta, no momento em que<br />
a reta infinita é suposta sair do furo.<br />
Acompanhando seu raciocínio, veremos Lacan chegar à formulação do nó de trevo<br />
como sendo a geometria que subsiste da relação sexual, tal qual proposto no Seminário<br />
RSI. É preciso entre dois, macho e fêmea, um terceiro para que ela seja possível. O<br />
terceiro termo ao mesmo tempo em que torna o furo real, cria a condição para atar os<br />
três registros. A única consistência aí, por conseguinte, é a da própria corda no que ela<br />
faz círculo, aplainado, consistindo numa cadeia borromeana de uma só corda, e não de<br />
três elementos, como na figura original. Essa cadenó, ou falsa cadeia borromeana,<br />
engendra o nó de trevo.<br />
83 Aqui Lacan dialoga com e critica Chomsky em sua abordagem cognitivista da linguagem. Nas<br />
conferências americanas, ele (LACAN, 1975b) já evocara o lingüista e sua teoria ao afirmar que<br />
Chomsky assimilava ao real o que era da ordem do sintoma, confundindo os dois elementos, como em<br />
sua afirmação de que a linguagem é um órgão. A questão que ele tenta responder, Laurent localiza na<br />
tentativa de fazer consistir o real no campo das pesquisas sobre inteligência artificial (2005, p. 58-61).<br />
Chomsky introduz um modelo transformacional das capacidades cognitivas da mente conhecido como<br />
tratamento de uma informação, e não como um cálculo lógico-matemático tal qual seus antecessores<br />
tentaram empreender. Para além do órgão corporal em si mesmo, ele situa um campo de múltiplas<br />
funções, novos órgãos alojados no corpo que operam como módulos de tratamento da linguagem do<br />
pensamento. Ele tenta fundar uma gramática universal, regida por regras de transformação aplicadas às<br />
gramáticas estruturais das línguas naturais. Caminha, portanto, na contramão da radical singularidade do<br />
uso de lalíngua que Lacan propõe. Enquanto, de um lado, Chomsky nos conduz a um pulular de órgãos,<br />
de outro, Lacan vai articular o corpo sem órgãos, o corpo como conjunto vazio, o corpo saco, com a<br />
consistência das cordas da linguagem que o atravessam em torno de um furo (LAURENT, 2005, p. 60).<br />
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