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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

“É uma cartilha, né, um livro, um local que ele escolheu para escrever um livro urbano, foi<br />

aí. Por que ele escolheu aquele lugar, quer dizer, racionalmente, né? Eu acho que foi...<br />

conjugou vários fatores. Um deles é que ali é a entrada do Rio de Janeiro, é o Km Zero da<br />

Avenida do Brasil; como se fosse um portal (...) Andar no local, perceber o local como um<br />

território, né? Como que um lugar desolado, sujo, né? É... Onde as pessoas não criam<br />

vínculo com o local, porque não é um lugar acolhedor. Como aquele lugar passa a ser um<br />

local de referência para ele, entendeu? Então ele morou, quer dizer, viveu, né, ali, anos e<br />

anos da vida dele. Vamos dizer que ele foi pintando naquele local. Ao ponto dele ficar na<br />

pilastra 1 como quem estivesse na varanda de casa dando tchau para as pessoas. É porque<br />

aquele local para ele se consagrou como território, da mesma forma como o local do circo.<br />

Da mesma forma como o local do circo é um local desolado, que as pessoas recusavam, um<br />

local de perda, queimado... parará... Ali também ninguém vai querer ir. [...]. Mas um local<br />

agressivo do ponto de vista urbano, entendeu? Inóspito. Alguém querendo humanizar ou<br />

querendo transformar aquele lugar, entendeu?” (Relato de Guelman em entrevista).<br />

Sua grafia era singular 91 , desenha cada letra, cada palavra. Signos como a gaivota, usada<br />

como acento, simbolizam uma pomba divina. E se esse passarinho repousar numa<br />

palavra, no que ele pousa, ele dá um acento divino, como em “senhõr” e “Pãe”, que é<br />

pai, mãe, espírito. “Ele faz uma poética da questão da trindade, que é absolutamente<br />

maravilhosa”, diz ainda Guelman em entrevista. A estrela aparece pontuando o início do<br />

texto, como signo da iluminação do Profeta. Expressa também a força astral e cósmica<br />

em sua mística, revelando, além disso, as pessoas da trindade e da quaternidade que<br />

estabelece. O acréscimo de letras nas palavras é uma das grandes marcas da escrita de<br />

Gentileza. E expressa a figura da Trindade Cristã, manifestadas em seu verbo, como na<br />

palavra “AMORRR”, que traz o R do Pai, o R do Flho e o R do Espírito Santo.<br />

Guelman nos apresenta pontualmente uma análise dessa escrita, extraindo dela sua<br />

marca original. “Ao tornar-se portador do anúncio da gentileza, o Profeta começa a<br />

falar e a escrever por meio de uma linguagem revelada. [...] Sua escrita aparece como<br />

um verbo sagrado, formalmente distinto da escrita corrente profana” (GUELMAN,<br />

2000, p. 72). Gentileza elabora uma grafia totalmente singular, tal qual o tipógrafo que<br />

desenha a palavra letra a letra. Figura antiga evocada por Lacan, como vimos, para<br />

tratar da materialidade da letra enquanto suporte do significante. O Profeta fazia<br />

manuscritos de cartas e esboços de trabalho que ganhavam uma versão final já apoiada<br />

na sua grafia peculiar.<br />

Ainda para Guelman (2000, p. 72), uma apreensão da caligrafia (do grego kalos- belo +<br />

graphos – desenho, escrita) de Gentileza evidencia que ele conseguiu dar ao seu texto a<br />

forma de uma escritura hierática. Efeito obtido tanto pelo aspecto formal das letras e<br />

signos, como também pela estruturação que esses elementos definem.<br />

91 Cf. a caligrafia e o simbolismo da escrita de Gentileza no Anexo IV.<br />

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