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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

clínica da Saúde Mental, uma interrogação sobre a articulação criação-psicose no que<br />

tange à estabilização.<br />

O encontro entre a discussão empreendida por Lacan na década de 70 e a clínica<br />

cotidiana da Saúde Mental exigia uma revisão da clínica com as psicoses, que não podia<br />

mais se sustentar na aposta da metáfora delirante. A partir da elaboração de conceitos<br />

como lalíngua e letra e da discussão do paradigmático caso de Joyce, a escrita do nó<br />

como resposta exigia-nos avançar. Se Joyce se escreveu em sua obra, qual o estatuto da<br />

escrita aí? Uma suplência sempre recorrerá a alguma forma de escrita? “Escrever, não<br />

está absolutamente estabelecido que com a psicanálise chegaremos a isso. Isso supõe<br />

uma investigação propriamente falando do que isso significa, escrever” (LACAN,<br />

1975-76/2005, p. 146).<br />

Foi a partir dessa constatação que iniciamos esta investigação articulando a escrita com<br />

a criação. Em Joyce, é patente que a obra se escreve e nela é forjado um ego para o<br />

autor. Mas essa articulação é sempre necessária? Ou foi a contingência do estilo<br />

joyceano que o conduziu a criar esse artifício? Outros sujeitos poderiam prescindir da<br />

escrita ao se valerem da obra, da criação, para operar efeitos de estabilização? Aí<br />

encontramo-nos com um segundo convite lacaniano, sob a forma de uma interrogação<br />

feita sobre a arte, para seu seminário sobre Joyce: “em que o artifício pode enfocar<br />

expressamente o que se apresenta primeiro como sintoma. Em que a arte, o artesanato,<br />

pode burlar, se podemos dizer, o que se impõe do sintoma? A saber, a verdade”<br />

(LACAN, 1975-76/2005, p. 22).<br />

Tomamos criação artística aqui no sentido mais genérico de produção artesanal 3 , que<br />

implica na intervenção do sujeito sobre uma matéria bruta, cujo resultado, esteticamente<br />

tomado como arte ou não, aparece, numa perspectiva, sob transformação da matéria<br />

pelo sujeito e, noutra perspectiva, como transformação do sujeito pela matéria.<br />

Definitivamente, em cada experiência alguns são mais afetados que outros, tanto<br />

matéria quanto sujeito, podendo-se encontrar obras belíssimas e, por vezes, sujeitos que<br />

encontram nesse processo uma via de estabilização. Os dois casos são raros, entretanto.<br />

No cotidiano com a clínica da psicose nesses serviços complexos a regra são os<br />

obstáculos encontrados, o embaraço, a surpresa, as dificuldades institucionais, as<br />

3 Apoiamo-nos no argumento cartesiano, utilizado por Lacan (1974-75), de que se deve começar a prática<br />

das artes mais complexas pelas mais simples, como o trabalho de trançar das mulheres artesãs ou dos<br />

artesãos que fazem tapetes. Lacan evoca Descartes (1701/1953) exatamente ao introduzir os nós e as<br />

tranças que lhes correspondem.<br />

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