Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Falar é gozar, o significante está a serviço do que faz signo para o sujeito. Agora é de<br />
não-sentido que se trata, ou melhor, de j’ouis-sens, gozar enquanto escutar sentido. É<br />
mais uma versão do gozo no nó borromeano, além do sexual e do gozo do sentido. Aqui<br />
“encontrar um sentido implica em saber qual é o nó, e de cosê-lo corretamente graças<br />
a um artifício” (LACAN, 1975-76/2005, p. 73), na medida em que a clínica passa a se<br />
fazer de cortes e religamentos. Com isso, muda o estatuto do sentido, pois ele porta uma<br />
dimensão de gozo inapreensível. “O sentido do sentido, em minha prática, se capta<br />
(Begriff) por escapar” (LACAN, 1973/2003, p. 550). Por conta desse escape que<br />
funciona como gozo, Lacan pôde dizer, então, que o cúmulo do sentido seria o enigma,<br />
o que escapa à significação.<br />
Naveau (2004a) destaca exatamente esse não-sentido no enigma de Joyce trabalhado<br />
por Lacan no Seminário XXIII. Stephen Dedalus assim o apresenta no texto:<br />
The cock crew<br />
The sky was blue<br />
The bells in heaven<br />
Were striking eleven<br />
T’is time for this poor soul<br />
To go to heaven 17<br />
Ainda que seja clara a referência a um enterro, é surpreendente a resposta do enigma:<br />
“The fox burrying/His grandmother/under the bush” ou é a raposa enterrando sua avó<br />
debaixo da moita. A entrada da raposa aponta o non-sense. Não é o sentido que conta<br />
aqui, mas a enunciação. “O que surpreende, é o que é dito, mas em relação a quem diz<br />
[...] O acento colocado, não sobre o enunciado, mas sobre a enunciação” (NAVEAU,<br />
2004a, p. 28-29). A inversão operada por Lacan consiste em colocar o acento não mais<br />
sobre o sentido, mas sobre a causa. Assim, o enigma a ser decifrado decorre da própria<br />
relação de Joyce com a linguagem, estabelecida em termos dessa tensão entre enunciado<br />
e enunciação (MANDIL, 2003, p. 183).<br />
Podemos nos perguntar se, ao reapresentar aqui a noção de enigma, articulado ao gozo,<br />
Lacan não responde a si mesmo no texto “Função e campo...” quando estabelecia<br />
símbolo e linguagem como limites do campo psicanalítico. Quando na Páscoa de 60 o<br />
17 “O galo gritou/O céu estava azul/Os sinos no céu/Badalavam onze/É tempo para essa pobre alma/Ir<br />
para o céu”.<br />
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