Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
em sua adolescência, ele sofria com alucinações constantes e ensaios delirantes que<br />
despejava no papel e nas telas de pintura.<br />
O encontro com esses casos demarcou a irrupção do real da singularidade do uso da<br />
letra – tiquê – que a repetição – automaton – dos casos levantados tentava encobrir. A<br />
exigência de rigor científico aqui se deparou com a exigência clínica de tomar cada caso<br />
como se fosse o primeiro e também com a impossibilidade de se transmitir o que é de<br />
um tipo clínico para outro caso singular, dado que o que pode funcionar para um sujeito<br />
não opera da mesma forma para outro. O traumático enquanto maneira singular que<br />
deixa como rastro a entrada da linguagem e do real no corpo do sujeito, exigiu aqui um<br />
contraponto ao exercício acadêmico de encontrar os casos, seriados, que evidenciariam<br />
o que quer que se pretendesse demonstrar. Essa série significante, “científica”, que<br />
poderia foracluir o sujeito, é interrompida e passa a obedecer ao princípio mais<br />
freudiano para qualquer forma de investigação no território da psicanálise: que ela seja<br />
clínica também, incluindo o sujeito do inconsciente e o real, como acrescenta Lacan.<br />
Fora da série, fora do sentido, esses dois sujeitos, feito letra, exigiram uma outra escrita<br />
metodológica para esta pesquisa: a escrita que inclui o real, que se suporta da letra no<br />
banho de gozo com que lalíngua inunda o saber, débil para dar conta desse real. Esses<br />
dois encontros modificaram definitivamente o desenvolvimento da pesquisa e a escrita<br />
deste trabalho, pois exigiram, como previu Lacan, a inclusão do real e do sujeito em seu<br />
texto.<br />
Além disso, a perspectiva da comparação do que é singular apresentava uma<br />
contradição lógica em si mesma. Como comparar o singular? Bom, tínhamos um ponto<br />
do universal que atravessava os dois casos. E foi a partir dele que nos orientamos. A<br />
falta é estrutural, para todos, e para ela o sujeito há que construir uma resposta, marcada<br />
pela escrita da letra, campo de sulcagem do gozo, que se espraia de lalíngua, morta pelo<br />
simbólico que ela sustenta, mas viva no uso do gozo que promove para o sujeito. Esta<br />
era a escrita que faria a baliza na análise comparativa dos casos. Há situações em que<br />
essa escrita parecia se fazer pela via da criação ou da obra, e outras em que, por mais<br />
que o sujeito inventasse, criasse, ela não acontecia. Assim, com a escolha desses dois<br />
casos exemplares, passamos a ter uma idéia tanto do que opera, como do que não opera<br />
nessa convergência sobre a estabilização e a criação na psicose.<br />
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