Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
considerada a última grande obra nosológica da psiquiatria de nossos tempos<br />
(BERCHERIE, 1989), Lacan insiste que o caso estudado, Aimée, é apenas um protótipo<br />
que permite classificar outros quadros análogos em termos de fenômenos elementares,<br />
evolução e prognóstico. A paciente estudada, por motivação delirante, desfecha um<br />
golpe de faca contra uma famosa atriz parisiense que, defendendo-se, tem apenas dois<br />
tendões seccionados. A posição de Aimée em relação à certeza do ato permanece a<br />
mesma por vinte dias depois de presa, quando, então, cessa o delírio. Segundo Lacan<br />
(1932/1987, p. 251), essa reação acontece somente após Aimée ser abandonada e<br />
reprovada pelos seus e confundida com os delinqüentes com os quais esteve confinada,<br />
enfim, quando realiza ela mesma em si seu castigo. Com o ato, atinge a si própria<br />
paradoxalmente, sentindo alívio afetivo (choro) e a queda brusca do delírio.<br />
“Pelo mesmo golpe que a torna culpada diante da lei, Aimée atinge a si mesma, e, quando<br />
ela o compreende, sente então a satisfação do desejo realizado: o delírio, tornado inútil, se<br />
desvanece. A natureza da cura demonstra, quer nos parecer, a natureza da doença”<br />
(LACAN, 1932/1987, p. 254).<br />
Nesse período, Lacan não havia estabelecido as diferentes vertentes do ato – passagem<br />
ao ato, acting-out e ato analítico –, e ainda ingressava na psicanálise. Sabemos que, em<br />
Freud, essa distinção sequer é levantada. Para este, que trata apenas do acting-out na<br />
neurose, seu aparecimento é a marca da emergência do recalcado, manifestando-se,<br />
quando em análise, em relação à transferência e, mais especificamente, com a colocação<br />
em ato daquilo que o sujeito não recorda do que recalcou (FREUD, 1914c/1976, p.<br />
196).<br />
Lacan, independentemente de considerações diagnósticas, vai estruturando ao longo de<br />
seu ensino coordenadas lógicas que permitem diferenciar o acting-out da passagem ao<br />
ato. É possível escandir em três tempos o desenvolvimento ulterior proposto por Lacan<br />
para o tema: 1. no texto “A direção da cura e os princípios de seu poder” (1958/1998),<br />
cujo traço central é a análise do acting-out como relativo à intervenção do analista, a<br />
partir do caso paradigmático de Kris; 2. no seminário A angústia (1962-63/2004) em<br />
que, apoiado no caso freudiano da jovem homossexual, estabelece uma clínica<br />
diferencial entre acting-out e passagem ao ato, articulando-os com a angústia e o objeto;<br />
3. e, quando, relacionado ao ato analítico, a distinção entre os dois é definitivamente<br />
estabelecida.<br />
No seminário sobre a angústia, Lacan concebe a dimensão do agir, independentemente<br />
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