Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
e, sobretudo, através da escrita de sua obra.<br />
Como vimos, sua escrita comporta uma caligrafia peculiar, que inaugura um novo uso<br />
da letra – por ele forjada num abecedário único que civiliza lalíngua – e um novo valor<br />
ao texto-nó que ela escreve, carregado ou reforçado pela dimensão real do divino. Ele<br />
faz redemoinho com os significantes, ordenados pela lógica singular que ele funda com<br />
seus signos, pautas, estruturas gramaticais singularizadas e máximas. A obra, nesse<br />
circuito, opera pela ausência de sentido, possibilitando a fixação do gozo. Gentileza dá<br />
um destino estético ao excesso de gozo, transformando em obra singular o indizível do<br />
real.<br />
A. Destino social e clínico da escrita gentil do Profeta<br />
O fato de Gentileza ser tomado como o anunciador de um novo tempo e de uma nova<br />
estética para a dimensão citadina e contemporânea da atualidade, conferiu-lhe um lugar<br />
de destaque na cultura, como atestamos. Guelman (1997; 2000), professor do<br />
Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense, em sua dissertação de<br />
mestrado na Filosofia, defendeu a tese de que Gentileza seria um mito moderno, pois,<br />
anunciador de uma crise social – a da chamada pós-modernidade. Além disso, ele<br />
operaria, enquanto mito, como anunciador, fundador, de um discurso que aponta, pelo<br />
princípio ético da "gentileza", uma saída aos impasses da economia capitalista e da<br />
fragmentação moral e social pós-moderna, calcada no individualismo, no hedonismo e<br />
no consumismo. Parece-nos que sua apropriação pela cultura (músicas, carnaval,<br />
entrevistas, blogs) constituiu um campo de endereçamento que ampliou as fronteiras de<br />
suportabilidade à diferença que a psicose coloca, reconfigurando as relações com<br />
Gentileza. Ele é tomado como mito, sábio, principalmente em sua família, como<br />
atestado pela entrevista realizada com sua filha. Nela, à suposição da loucura seguiu-se<br />
uma admiração pela obra de Gentileza que permitiu a reordenação dos enlaçamentos<br />
sociofamiliares.<br />
Esta é realmente a novidade teórica a que este estudo de caso nos conduziu: a obra,<br />
operando pelo real como continente ao excesso de gozo que resta da operação da<br />
metáfora delirante, confere-lhe sustentação enquanto letra e favorece a estabilização e o<br />
endereçamento social. Não é o fato de usar ou não a escrita que explica a estabilização<br />
de Gentileza, mas o artifício que ele cria através dela, suportado por ela. Gentileza pode<br />
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