Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
considerações sobretudo no Seminário XXIII: Joyce, le sinthome. Ao retomar a noção<br />
de enigma neste seminário, Lacan (1975-76/2005, p. 67) assim o define: “um enigma é<br />
uma enunciação tal que dela não se encontra o enunciado”. Se o enigma tende à<br />
significação num primeiro tempo, nesse ponto ele se articula a um gozo excedente ao<br />
sentido. Lacan o escreve como Ee. É uma arte que ele chama de entre as linhas, fazendo<br />
alusão à corda do nó borromeu. Essa arte, artifício da escrita, incide sobre o impossível,<br />
que Lacan trata como o Outro do Outro real, porquanto ele é um fazer que nos escapa e<br />
que transborda o gozo que nós possamos ter dele. É o “gozo de Deus” enquanto alguma<br />
coisa da qual não podemos gozar.<br />
Já em Freud atestamos a experiência enigmática do gozo do Outro sobre o ser<br />
apassivado de Schreber, pela via do suporte que ele lhe confere. E, dos estudos sobre a<br />
psicose, Lacan decantará as modalidades de incidência desse gozo na esquizofrenia e na<br />
paranóia. Partindo da polaridade sujeito do gozo e sujeito do significante, Lacan<br />
(1966/2003), ao escrever a introdução à versão francesa do livro de Schreber, define a<br />
paranóia identificando nela o gozo no lugar do Outro como tal. Já o gozo na<br />
esquizofrenia, Lacan o abordará somente alguns anos mais tarde, em “O aturdido”<br />
(1972/2003). Dialogando e retificando O Anti-Édipo de Deleuze e Guattari (1972), trata<br />
do gozo do esquizofrênico com o órgão em contraposição ao corpo sem órgãos com que<br />
esses pensadores acreditaram encontrar mais liberdade em relação ao significante. “O<br />
que para seu corpo cria um órgão [...] é justamente por isso que ele [esquizofrênico]<br />
fica reduzido a descobrir que seu corpo não é sem outros órgãos, e que a função de<br />
cada um deles lhe cria problemas” (LACAN, 1972/2003, p. 475).<br />
Lacan, então, redefine a noção de enigma, referindo-se de outra forma ao sentido. Ele<br />
passa a fazer uma parceria diferente da significante-significado nesse período,<br />
substituindo-a pelo par signo-sentido. Isso aparece em “Introdução à edição alemã dos<br />
Escritos” (LACAN, 1973/2003), quando ele localiza o significante como objeto da<br />
lingüística, e não da psicanálise. Como se, seguindo-a, abstraíssemos o par significante-<br />
significado para pensar os efeitos de significação, perdendo de vista a produção de gozo<br />
na linguagem. É por conta da recuperação dessa dimensão do gozo, para além do<br />
significante que, na década de 70, Lacan opera a substituição desses pares. “Lacan<br />
então restitui como primeiro uso do signo o gozo sexual e, como primeiro uso do<br />
significante, o efeito de significado” (MILLER, 2005, p. 333).<br />
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