Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
No primeiro caso, as principais contribuições lacanianas encontram-se desde o texto<br />
“Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (LACAN, 1953/1998) até O<br />
Seminário, livro 3: as psicoses (LACAN, 1955-56/1992). Enquanto significação, o<br />
enigma aparece sobretudo referido aos estudos freudianos do Presidente Schreber.<br />
Como vimos, o desligamento libidinal do mundo é um processo silencioso que, em<br />
Schreber, é lido nos seguintes termos:<br />
“O paciente retirou das pessoas de seu ambiente, e do mundo externo em geral, a catexia<br />
libidinal que até então havia dirigido para elas. Assim, tudo tornou-se indiferente e<br />
irrelevante para ele, e tem de ser explicado através de uma racionalização secundária, como<br />
‘miraculado, apressadamente improvisado’ ” (FREUD, 1912[1911]/1976, p. 93).<br />
Freud acrescenta que será pela via da formação delirante que o paranóico ensaiará uma<br />
tentativa de restabelecimento, um processo de construção. Há, já em Freud, a noção de<br />
uma solução positivada na psicose. Esta experiência de destacamento em silêncio, Freud<br />
coloca na série de fenômenos elementares: confusão, perplexidade, perda do<br />
pensamento, e outros. É lá que se situa, para o paranóico, a experiência de um enigma,<br />
já que, para ele, o mundo inteiro torna-se um mundo de coisas obscuras, agenciadas de<br />
uma forma que se perdeu, que vai precisar reconstruir para que elas designem enfim<br />
alguma coisa (LAURENT, 1993).<br />
Sabemos que, para Freud (1912[1911]/1976 e 1924/1976), a experiência da perda da<br />
realidade e a da reconstrução de um substituto para ela são indissociáveis. Considera<br />
ambas as experiências compreendidas no que ele chama a distribuição da libido, que<br />
descreve inteiramente como sendo um fenômeno de sentido. Para Lacan, o sentido é<br />
efeito da operação da linguagem. A Lei primordial, que ao reger a aliança e o<br />
parentesco pela interdição do incesto superpõe o reino da cultura ao reino da natureza,<br />
“faz-se conhecer suficientemente como idêntica a uma ordem de linguagem” (LACAN,<br />
1953/1998, p. 279). A noção de função simbólica, introduzida no texto “Função e<br />
campo...”, é o suporte da estrutura da linguagem. E, por sua vez, “é no nome do pai que<br />
se deve reconhecer o suporte da função simbólica” (LACAN, 1953/1998, p. 279). Há,<br />
portanto, nesta articulação uma referência central ao nome do pai.<br />
Nesse mesmo texto, Lacan reconhece na loucura, “de um lado, a liberdade negativa de<br />
uma fala que renunciou a se fazer reconhecer [...] e, de outro, a formação singular de<br />
um delírio que [...] objetiva o sujeito em uma linguagem sem dialética” (LACAN,<br />
1953/1998, p. 281). Ele avança sobre o que seria essa linguagem sem dialética ao tratar<br />
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