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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

gozo do Outro. Diz a respeito de Bispo que, apoiado em seu delírio, com sua obra ele<br />

“utiliza o simbólico a partir de seu sintoma para domesticar o gozo da Coisa e tentar<br />

cavar aí um furo onde possa vir alojar seu ser” (QUINET, 1997, p. 229), já que sua<br />

obra implicaria no tratamento da Coisa não esvaziada de gozo pela castração. Não seria,<br />

então, um trabalho muito diferente do de Joyce, já que Bispo buscava o sentido<br />

enquanto Joyce operava pelo real, alinhavando a letra sem sentido na costura de um<br />

nome próprio pela obra em si mesma? Pois se Joyce se nomeava, se dizia pela obra, ao<br />

contrário Bispo queria que sua obra pudesse dizer algo ao Outro. E se o trabalho<br />

artístico segue em par com o delírio, não seria a posição do sujeito como objeto de gozo<br />

do Outro que se afirmaria, opondo-se e não facilitando o trabalho de estabilização? Se é<br />

possível com a criação artística realizar uma escritura do gozo, fazer obra a partir de<br />

outros suportes traria quais efeitos subjetivos? Prescindiriam eles do suporte conferido<br />

pela escrita, via letra? Lacan nos fala, quanto à letra, em escrita e em suporte para o<br />

pensamento, para o significante; ponto que tocado, desloca, e cria uma nova relação.<br />

Não seria aí que se revelaria o ineditismo de algumas criações psicóticas<br />

estabilizadoras?<br />

Como se vê, parece-nos haver uma posição comum entre os autores mais<br />

contemporâneos em situar os efeitos da criação artística na dobradiça real-simbólico, na<br />

perspectiva pulsional de construção, de escrita de uma nova solução, gerando efeitos<br />

sobre a posição de gozo do psicótico. E podemos detectar também a presença do<br />

endereçamento do trabalho, seja à comunidade literária, seja a Deus, seja à sociedade,<br />

trazendo conseqüências concretas diferentes conforme o campo para onde se dirija a<br />

criação.<br />

Qual a articulação no texto lacaniano que permitiu esses desdobramentos? Ao final de<br />

sua obra, Lacan toma o caso de Joyce em estudo, afirmando que seu trabalho sobre o<br />

real do gozo não implica numa “apropriação simbólica” ou numa “construção<br />

significante” que faz borda ao impossível de dizer, como sugere a metáfora delirante.<br />

Sua escrita estaria mais próxima do ponto limite entre real e simbólico, mais próxima da<br />

noção de letra que da de significante. Na falta da queda do impossível de apreender na<br />

forma de objeto a, Joyce cria, ele próprio, um campo de ausência – como na neurose o<br />

real instalaria. “É porquanto o sinthoma faz um falso-furo com o simbólico que há uma<br />

práxis qualquer” (LACAN, 1975-76/2005, p. 118). E essa práxis implica num trabalho<br />

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