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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

[sic] mesmo. Um mau espírito... ‘prostigação’ [sic] e aí, me atingiu... mas me atingiu<br />

justamente pra... Há males que vêm pro bem, uma coisa assim, né? Aí eu... dessa macumba,<br />

foi feito um trabalho pra mim, aí depois eu... [...] fiquei perdido um tempão, perdido. Mas<br />

depois é que eu vi que... como foi importante acontecer isso porque, senão, como é que ia<br />

ser? Eu ia sair... ia ter a vida comum? Eu ia lá pro meio da Rede Globo, ser ator de novela?<br />

Que troço chato, né?” (Relato de A. em entrevista).<br />

C. O começo de tudo: o início do trabalho de estabilização<br />

Como vimos, as alucinações começaram na adolescência e a mãe de A. foi orientada a<br />

levá-lo para o interior a fim de se exercitar um pouco através da praxiterapia no campo.<br />

“Eu tava no Japuré, isolado daquele mundo, porque eu tava com medo dos automóveis<br />

e a roda que passava nas cabeças das crianças, aquela estorinha” (Relato de A. em<br />

entrevista). Retorna no real sob a forma de alucinação a experiência não simbolizada.<br />

Aquilo que do acidente de moto resta o atormenta sob a forma de visões trágicas. É<br />

quando, então, ele tem uma experiência enigmática. Numa fazenda de seu tio em<br />

Carangola (RJ), ele ouviu a frase que passou a organizar toda a sua cura.<br />

“E aí foi que surgiu essa frase. Eu tava chegando no portão com o tio Eusino, assim, aí:<br />

‘não sedi di shacina’, uma coisa assim. [Entrevistador: Não sede?] É não seja de sha... uma<br />

coisa assim. A mesma coisa não sede é não matarás, a estória dos bons, dos humildes, né?<br />

Mas habitualmente ela usa mais “sedi di shacina” pra [inaudível], pro Artaud. [...] E essa<br />

frase, então, é que iniciou a minha cura toda. Exatamente, todo um poder que havia ali, né?<br />

A preocupação de Jesus com Deus, de Artaud com Gênese, tudo isso” (Relato de A. em<br />

entrevista).<br />

Se ela tem inicialmente o estatuto de um fenômeno elementar, imediatamente ela<br />

assume para A. a função de propulsora, de conectora, ainda que não de enlaçadora,<br />

como veremos. A expressão “sedi di shacina” lança o sujeito ao trabalho delirante, mas<br />

também aos ensaios de solução que engendra através da escrita e da pintura. “Sedi di<br />

shacina estabelece o necessário para o comprimento [sic] da vida. E pede, no plano<br />

onde tudo é bondade, que o equilíbrio seja restabelecido”, escreve A. em 2006. O<br />

tratamento do real nasce da contingência dessa frase que ganha valor de enigma, de algo<br />

que parece fazer cifra. O trabalho inicial sobre a expressão acontece tão logo ela se<br />

apresenta para A..<br />

“É, mas surgiu foi como um não. Falou: ‘não seja di shacina’. Aí, que eu lutava justamente<br />

pela sede, contra a ‘sedi di shacina’, né? E hoje a ‘sedi di shacina’ minha é a favor dos que<br />

ganham pão honestamente, dos pobres, dos oprimidos, de todos eles. Não é ‘sedi di<br />

shacina’ soberbo. [...] Aí eu falei “não sedi di shacina” porque, na mesma hora que surgiu a<br />

‘sedi di shacina’, eu falei não. Pintou aquele não ali. Foi uma coisa assim, sabe? Eu não<br />

aceitei ‘sedi di shacina’, aquela coisa assim. Foi ‘não sedi di shacina’ como aquele verbo<br />

assim: não matar, não roubar, né? Amar a Deus sobre... aqueles mandamentos, né? Então<br />

ela surgiu primeiramente como um mandamento de Deus, do que não matar, né?” (Relato<br />

de A. em entrevista).<br />

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