Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
o texto lacaniano da década de 50 com o da década de 70, veremos que o tratamento do<br />
gozo do Outro é um dos pontos centrais de articulação da suplência como invenção de<br />
um quarto termo que estabiliza os registros no nó. A inexistência do Outro do Outro<br />
exige uma sutura entre imaginário e sintoma (simbólico) que implicaria como<br />
conseqüência o enlaçamento do real e a invenção do sinthoma. Essa sutura resulta numa<br />
escrita do nó pela letra. Donde devemos avançar em relação ao que sugere Maleval e<br />
propor que a “base” que surge da identificação do gozo do Outro se dá antes sobre a<br />
letra que sobre o significante. É com essa escrita, que força a expulsão do objeto a, que<br />
um delírio pode favorecer o nó.<br />
A diferença de Schreber para Gentileza é que este, além de acatar os avisos divinos que<br />
lhe chegam do real, nomeia o invasor, que no caso só pode ser Deus, e que nada de mal<br />
poderá lhe infligir. Ele faz uma nomeação pelo real, identificando-se à letra divina.<br />
Assim, assentado nos significantes Jozze Agradecido e depois Profeta Gentileza, fará<br />
valer sua pregação, não mais como um representante de Jesus de Nazaré, mas forjando-<br />
se, dessa forma, um nome próprio.<br />
Essa nomeação não é aleatória. Ela se utiliza do que não se escreveu primariamente<br />
como traço-letra na história de José e incide exatamente sobre o ponto em que o nó não<br />
faz amarração. No resgate de sua história da vida, percebemos a importância dada por<br />
sua família à religiosidade, marca fundamental que permeia a vida desse sujeito desde<br />
sua constituição. Não só ele é levado na infância a práticas religiosas e benzeções, como<br />
também sua saída do interior para a capital é interpretada por sua família como a<br />
anunciação de uma escolha divina por sua pessoa. Além disso, há em seu nome uma<br />
"escolha forçada" pela significação religiosa, advinda do campo do Outro. José Datrino,<br />
assim como nos indica Guelman (2000, p. 23), “certamente já sugere, em seu nome, a<br />
possibilidade de sua missão [representar Jesus de Nazaré na Terra]. Datrino significa,<br />
em italiano, de três, enviado pelo Trino (Trindade)”. Assim, quando do<br />
desencadeamento que fez vacilar a identificação imaginária com o homem de bem,<br />
possuidor de “três caminhões, três terrenos e uma casa”, Gentileza recorre à lama para<br />
fazer-se, no real, um novo homem, invocando "o direito de reesculpir-se do barro; um<br />
novo homem fazendo-se de um novo húmus” (GUELMAN, 2000, p. 23).<br />
Assim, Gentileza provoca a escrita do real através dessa nomeação. Sua construção<br />
delirante se estabiliza na metáfora sustentada pela relação binária forjada por esses dois<br />
211