Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS
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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />
Vimos também que o retorno do foracluído marca a ausência da escrita e da<br />
rememoração, materializando a exterioridade do Outro e da linguagem, sendo sua<br />
modulação, para cada sujeito, uma maneira singular que encontra para lidar com o real.<br />
O trabalho sobre esses pontos de retorno, de desligamento do sujeito se dá por<br />
diferentes vias. No caso de Gentileza, sua história nos evidencia um trabalho delirante<br />
que se escreve como letra de gozo através do reforço pelo acento divino que sua<br />
caligrafia porta. Estivéssemos orientados pelo primeiro tempo do ensino lacaniano,<br />
poderíamos mesmo arriscar a dizer que esse trabalho delirante culmina com a<br />
estabilização via metáfora através dos significantes primordiais "gentileza" e<br />
"agradecido", numa espécie de oposição binária a "favor" e "obrigado". Essa oposição<br />
destaca o caráter diferencial e o vazio de significação que o significante possui. Com a<br />
diferença de que aqui a oposição faz uma significação delirante que não desliza na<br />
produção de sentido, mas antes cerne o gozo na repetição da afirmação de um mesmo e<br />
original sentido, fundado ao tempo do incêndio do circo. Entretanto, há uma invenção<br />
em torno da “gentileza” que talvez nos indique uma letra inaugural se escrevendo.<br />
Vimos que Lacan (1955-56/1992) identifica a metáfora delirante a um processo<br />
complexo que constitui o delírio como uma metáfora, que faz às vezes da metáfora<br />
paterna no trabalho ruidoso de cura. E também que Maleval (1996) destacou com<br />
fineza, do texto freudiano e lacaniano, o desenvolvimento lógico dessa construção<br />
delirante em quatro fases. Assim, aos moldes dos anos cinqüenta, mas sem perder de<br />
vista o aporte dos anos setenta, investigaremos a solução psicótica encontrada pelo<br />
Profeta Gentileza fazendo o exercício de destrinchar o que se escreve na construção da<br />
metáfora delirante para além da articulação significante.<br />
1. Deslocalização do gozo e da perplexidade angustiante. Refere-se ao<br />
desencadeamento significante a partir de uma ruptura na cadeia provocando uma<br />
autonomia do significante. Seu efeito é a perplexidade, advinda do fato do sujeito não se<br />
sentir autor de seus próprios enunciados, e experiências corporais, em diferentes<br />
manifestações. Acreditamos que no episódio da lama, quando Gentileza é convocado<br />
simbolicamente para a criação de uma sociedade civil em sua empresa de fretes, o<br />
desencadeamento se instala. Interessa aqui menos os elementos em jogo na estrutura do<br />
desencadeamento que o ponto no qual os registros sofrem uma disjunção, uma<br />
desamarração, evidenciando uma fragilidade do nó que os atava. A criação de uma<br />
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