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Andréa Máris Campos Guerra - CliniCAPS

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A estabilização psicótica na perspectiva borromeana: criação e suplência<br />

adverte ainda Lacan (1971/1986), pois a fronteira, ao separar dois territórios,<br />

simbolizaria que eles são da mesma natureza. A letra escreve a radicalidade da diferença<br />

de consistências entre saber, elucubração em torno da verdade, e gozo, desfrute do que<br />

essa verdade tem de inacessível.<br />

“A borda do furo no saber, que a psicanálise designa justamente como de abordagem<br />

da letra, não seria o que ela desenha?” (LACAN, 1971/1986, p. 23). A letra seria uma<br />

espécie de franja que avança entre as duas consistências de naturezas diversas,<br />

desenhando ou escrevendo essa borda tão pouco precisa no ser falante. Lacan é<br />

cuidadoso ao avançar e diz que tudo isso não impede o que ele disse do inconsciente<br />

enquanto efeito de linguagem. A letra suporia sua estrutura como necessária e<br />

suficiente. A questão é, antes, como o inconsciente comandaria esta função de letra.<br />

Pensar, pois, a relação entre letra e inconsciente nos conduz inevitavelmente a discutir a<br />

posição da letra em face do significante. E, quanto a esse aspecto, Lacan é enfático logo<br />

de saída. A letra não se confunde com o significante. “A escritura, a letra, estão no<br />

real, o significante, no simbólico” (LACAN, 1971/1986, p. 28). Além disso, não<br />

podemos atribuir uma primariedade da letra em relação ao significante. Ela simbolizaria<br />

efeitos de significantes, mas isso não exigiria que ela estivesse presente nesses mesmos<br />

efeitos, nos quais o significante não serve senão de instrumento. Seria mais importante o<br />

exame “disto que a partir da linguagem chama do litoral ao literal” (LACAN,<br />

1971/1986, p. 23), disso que a letra, em síntese, escreve. E o que é esse literal senão a<br />

letra enquanto redução mínima do sujeito, enquanto sua escrita?<br />

Ora, escrita não é impressão. E letra não é significante ou Wahrnehmungszeichen, Wz,<br />

traço inconsciente freudiano 31 , aqui considerado o que de mais próximo ao significante<br />

poderíamos encontrar em Freud. Voando sobre a Sibéria, Lacan observa sulcamentos<br />

(de significantes), e não o arbitrário do signo e do mapa, os códigos, as mensagens.<br />

Exigido um desvio de rota de seu avião, ele observa o que faz sulco na paisagem. “O<br />

31 Como vimos, Wz (Wahrnehmungszeichen) são os traços mnêmicos que se associam por simultaneidade<br />

e indicam uma primeira forma de registro. Unbewusstsein (Ub) é o segundo registro que sucede ao<br />

primeiro, referente às percepções que se associam por simultaneidade. Os traços de Ub “talvez<br />

correspondam a lembranças conceituais” (FREUD, 1896b/1976, p. 325) ainda inconscientes.<br />

Correspondem ao que Freud posteriormente irá estabelecer como Vorstellungsrepräsentanz<br />

(representante da representação). Segundo LIMA (1994), a questão do traço em Freud se apresenta a<br />

partir de três possibilidades diferentes de tradução. Zeichen corresponde à idéia de insígnia, indicação, e<br />

está ligada à percepção, a Vorstellung. Zug corresponde ao traço unário, primário, e sua conseqüência é a<br />

Bejahung primordial. E, por fim, ligado à memória e à permanência teríamos a Spur, que aparece como<br />

Ub.<br />

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