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Os Pré-socraticos - Coleção Os Pensadores(pdf)(rev) - Charlezine

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conjunto deles e, a uma distância de milênios, a doxografia antiga, em geral<br />

dependente de poderosa interpretação aristotélica ou de uma parenética cristã.<br />

Através desses confrontos e percursos, nem sempre fáceis, se evitará pelo menos<br />

a bisonha atitude de auto-suficiência, tão pronta a se equivocar diante do óbvio.<br />

"A largura do sol é a de um pé humano", disse Heráclito, e séculos mais tarde<br />

um doxógrafo mal conhecido citou o seu dito. Herdeiros de Copérnico e<br />

contemporâneos dos astronautas, lemos hoje o fragmento como o turista rico vê<br />

um pedaço de coluna do templo desfeito, e podemos até nos dar ao luxo de uma<br />

meditação edificante sobre os começos veneráveis de uma ciência nascente. E<br />

preciso respeitá-los!<br />

Entretanto, apesar de nossa educação, o óbvio não está aí, no horizonte<br />

de nossas ilustres cabeças. Ele nos faz tropeçar porque justamente está ao<br />

nosso pé. 1 Para dizermos que o sol tem a largura deste é preciso nos deitar,<br />

levantar o pé e medir: do tamanho do nosso pé, o sol em sua forma visível<br />

desaparece! Pelo detalhe dessa operação vê-se bem que Heráclito não está<br />

formulando algo como o embrião de uma hipótese científica. O que ele disse<br />

continua válido e talvez mais ainda num mundo de copernicianos e astronautas.<br />

O jogo do aparecer e desaparecer das coisas, inclusive da própria fonte desse<br />

aparecer, ainda se faz pela intervenção dos nossos próprios membros. Com o<br />

bom pé dos caminhos habituais também palmilhamos outros, mais nobres<br />

(método em grego é caminho). Assim somos feitos.<br />

Situações como esta podem configurar-se a cada aparente banalidade no<br />

dizer dos fragmentos. Que o leitor saiba encontrá-las e explorá-las, e em vez de<br />

um entendimento fácil e digerido descobrirá em si uma indagação sobre o que<br />

há de mais radical em nossa cultura, em nosso destino e em nossa vida. Assim<br />

começa a filosofia, como também está nos fragmentos.<br />

São Paulo, 23 de abril de 1973<br />

José Cavalcante de Souza<br />

1 Cf. a interpretação de Jean Bollack, em Héraclite ou Ia S paration, Paris, 1972.

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