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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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direito civil.<br />

EXCLUÍDOS<br />

Nossa família, no entanto, estava mais acostuma<strong>da</strong> com um tipo diferente de preconceito. O hospital Carville<br />

tinha sido administrado inicialmente por uma ordem de freiras como um porto seguro para pacientes sitiados de<br />

Nova Orleans. Mais tarde, sob a administração estadual e depois federal, ele passou por um longo período de<br />

tratamento discriminativo dos pacientes de lepra, e nossos filhos ficaram surpresos ao descobrir que a política<br />

oficial era menos esclareci<strong>da</strong> do que aquela que haviam conhecido na Índia. Até a déca<strong>da</strong> de 1950, os pacientes<br />

chegavam acorrentados ao hospital. To<strong>da</strong> a correspondência expedi<strong>da</strong> pelos pacientes do hospital tinha de passar<br />

por um esteriliza<strong>dor</strong>, uma prática absur<strong>da</strong> e clinicamente inútil à qual a administração do hospital se opunha há<br />

muito, mas que a burocracia de Washington ain<strong>da</strong> não havia modificado. 1 O hospital possuía também regras que<br />

proibiam os pacientes de visitar a casa dos funcionários e que baniam crianças menores de dezesseis anos <strong>da</strong>s<br />

áreas reserva<strong>da</strong>s aos pacientes. Nossos filhos conseguiram quebrar essas duas normas.<br />

Minha filha Mary se recusou a fazer sua recepção de casamento no velho salão de cultivo de Carville porque os<br />

pacientes não seriam admitidos no edifício. Outra filha, Estelle, acabou casando-se com um ex-paciente e<br />

mu<strong>da</strong>ndo-se para o Havaí. Minha filha mais moça, Pauline, usou uma abor<strong>da</strong>gem diferente, preferindo divertir-se<br />

com o medo exagerado que a maioria <strong>da</strong>s pessoas tem <strong>da</strong> doença. Carville era bem conhecido na região <strong>da</strong><br />

Louisiana, e os turistas algumas vezes passavam pela cerca do hospital, torcendo o pescoço para ver os "leprosos"<br />

lá dentro. Pauline ficava junto à cerca até ver um carro diminuir a marcha, então apertava os dedos, torcia o rosto<br />

e fazia o máximo para representar o estereótipo, na esperança de afugentar os curiosos.<br />

Os veteranos de Carville nos regalavam com histórias do passado sombrio do hospital. O estigma <strong>da</strong> lepra<br />

imposto sobre o hospital era tão grande que muitos pacientes haviam adotado novos nomes a fim de proteger suas<br />

famílias do lado de fora. (Ouvi histórias sobre a faleci<strong>da</strong> "Ann Page", que tomou emprestado o nome de uma<br />

mercearia local.) Durante um longo tempo foi negado aos pacientes de lepra, assim como aos criminosos, o direito<br />

de votar. Eram também solicitados a mergulhai o dinheiro do bolso em um desinfetante antes de gastá-lo.<br />

— Este lugar costumava parecer uma prisão — contou-me um paciente. — Como muitas dessas pessoas, eu tinha<br />

mulher e filhos. Naquela época a lepra era um motivo legal para obter divórcio e encarceramento. Um dia o<br />

delegado apareceu e me enviou a Carville. Eu poderia ter escapado por baixo do arame, suponho. Mas aqueles<br />

que fugissem de Carville arriscavam-se a cumprir pena, e é difícil para um leproso esconder-se.<br />

Graças à soberba administração do dr. Johnwick, porém, o moderno Carville estava emergindo do seu passado<br />

sombrio. As leis de quarentena para a lepra haviam sido aboli<strong>da</strong>s. O arame farpado em volta do terreno do<br />

hospital fora removido e passeios eram oferecidos a visitantes três vezes por dia. Johnwick morreu de um ataque<br />

cardíaco repentino pouco antes de nossa chega<strong>da</strong>, mas suas reformas humanas estavam bem adianta<strong>da</strong>s, e as<br />

últimas barreiras discriminativas logo caíram.<br />

Eu gostava do ambiente de Carville: longas fileiras de carvalhos envoltos em musgo espanhol, cavalos e gado<br />

pastando nos campos cobertos de grama e flores cor-de-ouro. Com a bandeira amarela <strong>da</strong> quarentena abaixa<strong>da</strong>,<br />

Carville era agora um lugar atraente para os pacientes viverem. Eles tinham quartos individuais, um campo de<br />

softball, um lago cheio de peixes e um campo de golfe com nove buracos. Podiam percorrer a plantação de<br />

quatrocentos acres, passear pelo dique e até tomar uma balsa para atravessar o rio e visitar um café.<br />

Um lugar agradável, cama e mesa gratuitas, excelentes cui<strong>da</strong>dos de saúde, recreação e entretenimento<br />

patrocinados pelo governo, prédios com ar-condicionado — o nível de conforto de meus pacientes nessa<br />

plantação excedia de longe tudo que eu conhecera na Índia. A lepra, entretanto, encontra um meio de impor seu<br />

padrão peculiar de destruição sem levar em conta o cenário.<br />

Quando cheguei a Carville em 1966, o paciente mais famoso do hospital era um homem chamado Stanley Stein.<br />

Nascido em 1899, era mais velho do que o século, embora as cicatrizes de lepra em seu rosto tornassem difícil<br />

calcular a sua i<strong>da</strong>de. Stanley era um homem distinto, sofisticado, que cogitara fazer carreira no teatro antes de<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 104

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