A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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— Lixo, lixo. Qualquer um poderia tratar esse paciente. Queremos alguém mais desafia<strong>dor</strong>, alguém com<br />
problemas que façam você pensar.<br />
Numa época em que o mundo estava desmoronando, nós estu<strong>da</strong>ntes às vezes questionávamos a relevância de<br />
obscuras pesquisas acadêmicas, mas Tommy Lewis não alterou o programa de pesquisa <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de um<br />
centímetro sequer. Para ele, a guerra tinha pouco significado, exceto por seu benefício colateral de abrir novas e<br />
fascinantes áreas para a pesquisa médica. Ele havia estu<strong>da</strong>do o coração durante a Primeira Guerra Mundial; agora<br />
estava investigando a <strong>dor</strong>. O livro que resultou desses estudos, Dor, publicado pela primeira vez em 1942, ain<strong>da</strong><br />
hoje é lido nas escolas de medicina.<br />
Lewis me inspirou gosto pela pesquisa. A medi<strong>da</strong> que estudávamos a <strong>dor</strong>, fui arrastado para uma órbita <strong>da</strong> qual<br />
nunca mais escaparia, embora muito do que aprendi não seria praticado ain<strong>da</strong> por um longo tempo. Médicos e<br />
pacientes tendem a considerar a <strong>dor</strong> como sintoma de um problema, e sua atenção se desvia rapi<strong>da</strong>mente para a<br />
causa básica, o diagnóstico. A imparciali<strong>da</strong>de científica de Lewis lhe permitia considerar a <strong>dor</strong> como uma<br />
sensação em si mesma. Estu<strong>da</strong>ndo sob a orientação dele, pela primeira vez comecei a vislumbrar a possibili<strong>da</strong>de<br />
de uma resposta para certas perguntas subjacentes. Anteriormente, eu considerara a <strong>dor</strong> como uma mancha na<br />
criação, o grande erro de Deus. Tommy Lewis me ensinou o contrário. Do ponto de vista dele, a <strong>dor</strong> se destaca<br />
como uma extraordinária obra de engenharia de valor inigualável.<br />
Durante meus tempos de estu<strong>da</strong>nte, Lewis estava tentando categorizar varie<strong>da</strong>des de <strong>dor</strong> física. Ele esperava<br />
quantificar a experiência <strong>da</strong> <strong>dor</strong> de modo que os pacientes pudessem descrever seu caso como "número oito" ou<br />
"número nove", em vez de confiar em palavras vagas como "agonizante" ou "excruciante". Ele estava trabalhando<br />
em três agrupamentos principais — <strong>dor</strong> isquêmica, <strong>dor</strong> cutânea e <strong>dor</strong> visceral — e me apresentei como "cobaia"<br />
para a <strong>dor</strong> isquêmica.<br />
MASOQUISMO NO LABORATÓRIO<br />
A <strong>dor</strong> isquêmica ocorre quando o suprimento de sangue é cortado ou restringido. Num músculo, por exemplo, a<br />
<strong>dor</strong> isquêmica resulta quando há pouco sangue para suprir oxigênio e a circulação não remove as impurezas<br />
tóxicas com a rapidez necessária. A <strong>dor</strong> se apresenta lentamente num músculo passivo, mas no ativo a isquemia<br />
causa espasmo muscular. Como qualquer pessoa que tenha sido acor<strong>da</strong><strong>da</strong> de súbito por uma cãibra muscular sabe,<br />
a <strong>dor</strong> isquêmica pode ser repentina e severa. Uma braçadeira comum para medir a pressão sanguínea irá produzir<br />
facilmente isso: aperte a braçadeira até que ela corte to<strong>da</strong> a circulação em seu braço e depois feche a mão algumas<br />
vezes. Em breve você sentirá uma <strong>dor</strong> tão forte que precisará parar e afrouxar a braçadeira.<br />
A braçadeira comum de medir pressão não satisfazia, porém, a sede de precisão de Tommy Lewis. Afinal são<br />
necessários alguns segundos para inflar a braçadeira, período em que a pressão arterial mais eleva<strong>da</strong> introduz<br />
furtivamente mais sangue, mesmo depois de cortado o retorno venoso, levando o braço a inchar levemente. A fim<br />
de corrigir esse problema, Lewis inventou um infla<strong>dor</strong> de braçadeira instantâneo: um enorme recipiente de vidro,<br />
enrolado com barbante, que parecia um marca<strong>dor</strong> marinho. Ele bombeava ar no casco de vidro até que alcançasse<br />
uma determina<strong>da</strong> pressão e depois o conectava à braçadeira de pressão em meu braço. Quando girava uma<br />
torneira a braçadeira inflava instantaneamente, detendo o fluxo sanguíneo em ambas as direções ao mesmo tempo.<br />
Com o suprimento sanguíneo cortado, eu apertava uma bola de borracha uma, duas e três vezes, seguindo as<br />
bati<strong>da</strong>s de um metrônomo e continuando até que começasse a doer. Ao primeiro sinal de <strong>dor</strong> eu fazia um gesto e<br />
Lewis anotava quantos segundos haviam transcorrido. Eu continuava apertando até que a <strong>dor</strong> se tornasse<br />
insuportável e me obrigasse a parar. Lewis anotava outra vez o intervalo de tempo. Meus colegas e eu nos<br />
submetíamos a esse procedimento semana após semana, enquanto Lewis ficava ao nosso lado com infinita<br />
paciência. Ele procurava dois resultados: o nível do limiar quando sentíamos <strong>dor</strong> pela primeira vez e o nível de<br />
tolerância de quanto podíamos suportar.<br />
Lewis testou cobaias de várias etnias, descobrindo grandes diferenças na maneira como os europeus do norte e do<br />
sul percebem a <strong>dor</strong>. Outros voluntários participaram de experiências para testar o poder <strong>da</strong> distração: por<br />
exemplo, os que ouviam livros interessantes lidos em voz alta mostravam uma tolerância muito maior à <strong>dor</strong>. Os<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 42