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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Poucas experiências em minha vi<strong>da</strong> são mais universais do que a <strong>dor</strong>, a qual corre como lava por baixo <strong>da</strong> crosta<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> diária.<br />

Conheço bem a atitude típica em relação à <strong>dor</strong>, especialmente nas socie<strong>da</strong>des ocidentais. J. K. Huysmans a chama<br />

de "a inútil, injusta, incompreensível, inepta abominação que é a <strong>dor</strong> física". O neurologista Russel Martin<br />

acrescenta: "A <strong>dor</strong> é ávi<strong>da</strong>, rude, odiosamente debilitante. E cruel, calamitosa e muitas vezes constante; e, como<br />

sua raiz latina poena indica, é o castigo corporal que ca<strong>da</strong> um de nós finalmente sofre por estar vivo".<br />

Ouvi queixas semelhantes dos pacientes. Os meus próprios encontros com a <strong>dor</strong>, e também com a falta dela,<br />

produziram em mim uma atitude de espanto e apreciação. Não desejo e não posso sequer imaginar uma vi<strong>da</strong> sem<br />

<strong>dor</strong>. Por essa razão, aceito o desafio de tentar devolver o equilíbrio no que se refere aos nossos sentimentos em<br />

relação à <strong>dor</strong>.<br />

Para o bem e para o mal, a espécie humana tem entre os seus privilégios a preeminência <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Temos a<br />

capaci<strong>da</strong>de única de sair de nós mesmos e auto-refletir, lendo um livro sobre a <strong>dor</strong>, por exemplo, ou recapitulando<br />

a lembrança de um episódio terrível. Algumas <strong>dor</strong>es — a <strong>dor</strong> do luto ou de um trauma emocional — não<br />

envolvem nenhum tipo de estímulo físico. São estados de espírito, forjados pela alquimia do cérebro. Essas<br />

proezas conscientes permitem que o sofrimento perdure na mente por um tempo maior, mesmo que a necessi<strong>da</strong>de<br />

que o corpo tem desse sofrimento já tenha passado. To<strong>da</strong>via, eles também nos oferecem o potencial para atingir<br />

uma perspectiva que irá mu<strong>da</strong>r o próprio panorama <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Podemos aprender a li<strong>da</strong>r com ela e até<br />

a triunfar.<br />

A doença é o médico que mais ouvimos: para a bon<strong>da</strong>de e oconhecimento só fazemos promessas à <strong>dor</strong> obedecemos.<br />

MARCELPROUST<br />

2 Montanhas <strong>da</strong> morte<br />

Aos oito anos de i<strong>da</strong>de, quando voltava para casa com minha família, depois de uma viagem a Madras, olhei pela<br />

janela do trem para o cenário <strong>da</strong> Índia rural. Para mim, a vi<strong>da</strong> nos povoados parecia exótica e cheia de aventuras.<br />

Crianças nuas brincavam nos canais de irrigação, espirrando água umas nas outras. Seus pais, homens sem<br />

camisa, com roupas de algodão, trabalhavam cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s plantações, pastoreando cabras e carregando cargas em<br />

varas de bambu equilibra<strong>da</strong>s nos ombros. As mulheres, em seus saris soltos, an<strong>da</strong>vam com travessas grandes,<br />

contendo estrume, apoia<strong>da</strong>s na cabeça.<br />

A viagem de trem durou o dia inteiro. Dormi à tarde, mas quando o sol abrandou na hora do crepúsculo, passando<br />

de um branco furioso para um laranja tranquilo, tomei outra vez meu lugar junto à janela. Aquela era a minha hora<br />

favorita do dia na Índia. Folhas enormes e brilhantes de bananeira adejavam com o primeiro sopro <strong>da</strong> brisa<br />

vespertina. Os arrozais brilhavam como esmeral<strong>da</strong>s. Até a poeira emitia uma luz doura<strong>da</strong>.<br />

Minha irmã e eu sempre brincávamos de procurar as colinas onde vivíamos, e <strong>da</strong>quela vez eu as avistei primeiro.<br />

A partir de então, nossos olhos se fixaram no horizonte, uma linha páli<strong>da</strong> e curva de azul que só aos poucos se<br />

tornava sóli<strong>da</strong> e avermelha<strong>da</strong>. Quando chegamos mais perto, pude ver o brilho do sol se refletindo nos templos<br />

hindus brancos ao pé <strong>da</strong>s colinas. Antes de o sol se pôr, consegui distinguir cinco cadeias de montanhas<br />

diferentes, inclusive a cadeia Kolli Malai, nossa casa. Nossa família desceu do trem na última para<strong>da</strong>,<br />

transferindo-se primeiro para um ônibus e depois para um carro de bois, antes de chegar, já bem tarde, à ci<strong>da</strong>de<br />

onde passaríamos nossa última noite nas planícies. Fui cedo para a cama, repousando para a subi<strong>da</strong> do dia<br />

seguinte.<br />

Os visitantes modernos sobem até as montanhas Kolli por uma estra<strong>da</strong> espetacular com setenta curvas em<br />

ziguezague (ca<strong>da</strong> uma niti<strong>da</strong>mente marca<strong>da</strong>: 38/70,39/70,40/70). Mas, quando criança, eu subia a pé por um<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 13

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