A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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injeção irá espantar esse medo. A sabe<strong>dor</strong>ia amável e sincera dos médicos e o apoio amoroso de amigos e parentes<br />
são os melhores remédios. Descobri que o tempo que passo "desarmando" o medo de meus pacientes causa um<br />
impacto importante na sua atitude relativa à recuperação e especialmente na sua atitude em relação à <strong>dor</strong>.<br />
Minhas primeiras consultas com pacientes de cirurgia de mão algumas vezes pareciam sessões de<br />
aconselhamento, porque aprendi que a <strong>dor</strong> não pode ser trata<strong>da</strong> como um fenômeno puramente físico. Juntos,<br />
médico e paciente, temos de enfrentar o medo. O que a <strong>dor</strong> significa para o paciente? O prove<strong>dor</strong> <strong>da</strong> família<br />
poderá voltar a sustentá-la? A mão vai ficar bonita de novo? Quanta <strong>dor</strong> estará envolvi<strong>da</strong> no processo de<br />
recuperação? Os analgésicos e esteróides representam um perigo para a saúde? Tento afastar o medo <strong>da</strong>ndo ao<br />
paciente informação honesta e exata. No final, entretanto, é o paciente quem deve tomar as decisões sobre o curso<br />
do tratamento. Minhas recomen<strong>da</strong>ções não irão produzir muito benefício sem a colaboração do próprio paciente.<br />
Aconselhei certa vez uma pianista famosa, Eileen Joyce, que fazia concertos beneficentes anuais no Royal Albert<br />
Hall em Londres para aju<strong>da</strong>r nosso hospital na Índia. Ela tropeçara e caíra em cima <strong>da</strong> mão enquanto passeava<br />
com o cachorro, machucando o polegar. Eu a vi algum tempo depois do acidente, e enquanto me contava a<br />
respeito, girei manualmente o polegar dela em to<strong>da</strong>s as direções. A que<strong>da</strong> ferira uma junta, uma projeção óssea na<br />
base do polegar, que aparentemente sarara deixando uma pequena protuberância no osso. Quando movi o dedo de<br />
certo modo ela gritou:<br />
— E isso! Essa é a <strong>dor</strong>! O senhor pode operar para que eu fique cura<strong>da</strong>?<br />
Tive de dizer a Eileen que não recomen<strong>da</strong>va a cirurgia. (Juntas de polegar artificiais não estavam ain<strong>da</strong><br />
disponíveis.) A probabili<strong>da</strong>de de resolver a <strong>dor</strong> dela era pequena compara<strong>da</strong> com a possibili<strong>da</strong>de de causar mais<br />
<strong>da</strong>no com a cirurgia.<br />
— Você acha que será possível conviver com essa <strong>dor</strong>? — perguntei.<br />
Eileen ficou decepciona<strong>da</strong>.<br />
— É claro que não é uma <strong>dor</strong> contínua. Sei que posso tocar por uma hora ou duas sem que o meu polegar doa e<br />
em alguns dias não sinto na<strong>da</strong>. Mas quando o coloco na posição erra<strong>da</strong>, então dói. O medo de que isso aconteça<br />
me envolve. Como posso concentrar-me em Beethoven quando estou temendo a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>dor</strong>?<br />
Como cirurgião de mãos, muitas vezes me maravilhei com a facili<strong>da</strong>de que os pianistas de concerto têm de tirar<br />
proveito <strong>da</strong> plena capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mão sem saber realmente quais os músculos envolvidos. Eles pensam em música,<br />
e não em juntas, músculos e tendões. Agora, porém, a percepção de um pe<strong>da</strong>cinho de osso estava dominando tudo<br />
na mente de Eileen Joyce. Discutimos as várias alternativas para tratar <strong>da</strong> <strong>dor</strong> e soube mais tarde que Eileen<br />
decidiu afastar-se dos palcos. Ela não conseguiu encontrar um meio de aceitar o medo <strong>da</strong> <strong>dor</strong> que poderia roubar<br />
sua concentração durante um concerto, embora a <strong>dor</strong> em si não fosse grave.<br />
Encorajo os pacientes a falarem de seu medo, a fim de que juntos possamos relacionar o medo com o sinal de <strong>dor</strong>.<br />
O medo, como a <strong>dor</strong>, pode ser bom ou mau. O medo bom me afasta de precipícios e faz com que me abaixe<br />
quando ouço um ruído forte. Ele me impede de arriscar-me imprudentemente quando dirijo ou quando esquio<br />
montanha abaixo. Os problemas só surgem quando o medo (ou a <strong>dor</strong>) é desproporcional ao perigo, como<br />
aconteceu com o meu medo de injeções e talvez também com Eileen Joyce.<br />
A única maneira de desarmar o medo "negativo" é ganhar a confiança do cliente. Libertei o meu medo <strong>da</strong><br />
meningite nas mãos de Harold Himsworth porque confiei e acreditei nele quando me disse que não tinha na<strong>da</strong> a<br />
temer. É por isso que como cirurgião devo <strong>da</strong>r a máxima atenção aos medos de meus pacientes. Quero que<br />
respeitem o medo "bom" que os impede de se esforçarem demais e <strong>da</strong>nificarem novamente o que consertei. Ao<br />
mesmo tempo, quero que vençam o medo "negativo" <strong>da</strong> <strong>dor</strong> que os tenta a afastar-se dos exercícios de<br />
reabilitação.<br />
Um amigo <strong>da</strong> Califórnia, Tim Hansel, deu-me uma lição importante sobre o medo bom e o ruim. Homem<br />
entusiasta de esportes ao ar livre, Tim dirigia um programa de acampamentos nas montanhas Sierra Neva<strong>da</strong>.<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 162