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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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atirava violentamente para a esquer<strong>da</strong>. Aprendemos a colocar uma proteção do seu lado esquerdo a fim de que ele<br />

não se machucasse.)<br />

Essa percepção básica de como o cérebro funciona — isolado, ele constrói um quadro do tipo "melhor suposição"<br />

para interpretar o mundo exterior — esclareceu minhas idéias sobre a <strong>dor</strong>. Quando criança eu havia<br />

instintivamente considerado a <strong>dor</strong> como um inimigo "lá fora", me atacando no ponto do <strong>da</strong>no: quando um escorpião<br />

picou meu dedo, apertei o local <strong>da</strong> pica<strong>da</strong> e corri chorando para casa a fim de mostrá-lo à minha mãe.<br />

Aprendi com o cérebro do galês que a <strong>dor</strong> não está lá fora, mas, pelo contrário, está "aqui", dentro <strong>da</strong> caixa de<br />

marfim do crânio. Paradoxalmente, a <strong>dor</strong> parece algo feito contra nós, embora na reali<strong>da</strong>de nós a tenhamos feito<br />

contra nós mesmos, fabricando a sensação. O que quer que concebamos como "<strong>dor</strong>" ocorre na mente.<br />

Os sons do trânsito lá fora, o perfume de lilases recém-corta-dos colocados sobre a mesa, o prurido causado pelas<br />

minhas calças de lã — tudo isso, como a <strong>dor</strong>, chega no mesmo código Morse neutro <strong>da</strong> transmissão nervosa, para<br />

aguar<strong>da</strong>r a interpretação <strong>da</strong> mente. Um tímpano que vibra não constitui audição (meus tímpanos vibram quando<br />

estou <strong>dor</strong>mindo), e uma bati<strong>da</strong> no dedo do pé não constitui <strong>dor</strong>. A <strong>dor</strong> é sempre um evento mental ou psicológico,<br />

um truque mágico que a mente aplica intencionalmente em si mesma. Ela executa esse feito mágico, suspendendo<br />

tão poderosamente a increduli<strong>da</strong>de que eu paro o que quer que esteja fazendo e cuido do dedo do pé. Não posso<br />

evitar a impressão de que a <strong>dor</strong> em si está no meu dedo, e não no meu cérebro.<br />

Pessoas que sofrem de enxaqueca, torcicolo ou <strong>dor</strong> nas costas ouvem às vezes o comentário maldoso: "Sua <strong>dor</strong><br />

está na sua cabeça". De modo absolutamente literal, to<strong>da</strong> <strong>dor</strong> está na cabeça; ela se origina ali e permanece ali. A<br />

<strong>dor</strong> não existe até que você a sinta e você a sente em sua mente. Bertrand Russell acertou quando foi ao dentista<br />

por causa de uma <strong>dor</strong> de dente.<br />

— Onde dói? — perguntou o dentista.<br />

Russell replicou:<br />

— Em meu cérebro, é claro.<br />

BATISMO DE FOGO<br />

Aprendi sobre a <strong>dor</strong> em abstrato no meu laboratório de Cardiff. Logo depois de voltar para Londres em setembro<br />

de 1940, a Força Aérea Alemã começou a atacar essa ci<strong>da</strong>de com to<strong>da</strong> fúria, e me encontrei imerso no sofrimento<br />

humano.<br />

Graham Greene, que sobreviveu ao bombardeio, lembra delas <strong>da</strong> seguinte maneira: "Fazendo um retrospecto, o<br />

que resta é a esqualidez <strong>da</strong> noite, a multidão de homens e mulheres de pijamas sujos e rasgados, com pequenos<br />

respingos de sangue, parados nas portas, a representação exata de um ver<strong>da</strong>deiro purgatório. Essas coisas eram<br />

inquietantes por suprirem imagens <strong>da</strong>quilo que um dia poderia provavelmente acontecer a si mesmo". Eu me<br />

recordo principalmente de um estado de exaustão sem fim. Nós, estu<strong>da</strong>ntes, fazíamos rodízio, passando tardes e<br />

noites em vigília no teto do hospital. Era fantasmagórico contemplar uma ci<strong>da</strong>de em completo blecaute. Primeiro<br />

ouvíamos o rosnar dos motores do bombardeiro. Em pouco tempo, chamas flutuavam lentamente, como grandes<br />

flores amarelas surgindo <strong>da</strong> noite, em forma de sifão. A seguir vinha o assobio <strong>da</strong>s bombas e as explosões vivas<br />

<strong>da</strong> cor de laranja. Os prédios de tijolos em nossa vizinhança desabavam facilmente, levantando enormes nuvens<br />

de fumaça e poeira, e as chamas atravessavam as janelas <strong>da</strong>s superestruturas-fantasmas que restavam.<br />

Em certa ocasião, 1500 aviões atacaram Londres em 57 noites consecutivas, e os canhões antiaéreos ribombaram<br />

a noite to<strong>da</strong> sem qualquer pausa. Lembro-me especialmente de duas noites sombrias. A primeira foi capta<strong>da</strong> numa<br />

famosa foto de guerra: bombas incendiárias tinham provocado uma tempestade de fogo ao re<strong>dor</strong> <strong>da</strong> Catedral de<br />

São Paulo, e a foto mostra o grande domo desenhado por sir Christopher Wren iluminado atrás por um céu em<br />

chamas. Quando saí do meu plantão, disse a meus colegas de quarto que a catedral certamente iria ruir. A per<strong>da</strong><br />

era imensa, um símbolo <strong>da</strong> nossa civilização sendo destruído. Na manhã seguinte, porém, quando a fumaça se<br />

dissipou e o céu cinzento iluminou-se, vi que de alguma forma, milagrosamente, a igreja havia sobrevivido e<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 35

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