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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Certa vez, num leprosário, tive um encontro súbito com um "grito" de <strong>dor</strong>. Eu estava an<strong>da</strong>ndo ao longo <strong>da</strong> calça<strong>da</strong><br />

com os olhos levantados, procurando no alto <strong>da</strong>s árvores a fonte de um lindo canto de pássaro, quando, crash, vime<br />

repentinamente caído de bruços. Senti uma imediata on<strong>da</strong> de embaraço e olhei em volta para ver se alguém<br />

presenciara a minha que<strong>da</strong>. Fiquei irritado e até mesmo zangado. Então, no momento em que me levantava e procurava<br />

por machucados, percebi o que acontecera. Enquanto eu olhava para cima, na direção do pássaro, meu pé<br />

desviou-se para a beira <strong>da</strong> calça<strong>da</strong>. Estava no processo de colocar todo o meu peso sobre o pé pendente na<br />

beira<strong>da</strong>. Meu tornozelo começou a torcer até que o pequeno ligamento colateral do tornozelo sentiu que se<br />

esticava a ponto de quase quebrar. Sem consultar-me, esse pequeno ligamento pôs em ação uma poderosa<br />

mensagem de <strong>dor</strong> que forçou o imediato afrouxamento do músculo principal <strong>da</strong> minha coxa. De maneira mais<br />

autoritária ain<strong>da</strong>, esse movimento privou o joelho de seu apoio muscular e ele entrou em colapso. Em resumo, eu<br />

caí.<br />

Quanto mais pensava na que<strong>da</strong>, mais sentia orgulho, e não irritação. Um ligamento pequeno no nível mais inferior<br />

<strong>da</strong> hierarquia havia de alguma forma coman<strong>da</strong>do todo o meu corpo. Senti-me grato por sua disposição para me<br />

fazer de tolo pelo bem do corpo, salvando-me de uma distensão do tornozelo ou coisa pior.<br />

Enquanto eu entrava conscientemente em sintonia com a <strong>dor</strong> durante tais experiências, uma perspectiva diferente<br />

começou a tomar forma e substituir minha aversão natural. A <strong>dor</strong>, a maneira de o meu corpo alertar-me para o<br />

perigo, usará o volume que for necessário para chamar a minha atenção. Era exatamente a surdez a esse coro de<br />

mensagens que fazia meus pacientes de lepra se autodestruírem. Eles não ouviam os "gritos" de <strong>dor</strong>, e acabavam<br />

provocando os ferimentos diretos que eu tratava todos os dias. Perdiam também os sussurros de <strong>dor</strong>, os perigos<br />

comuns resultantes do estresse constante ou repetitivo.<br />

Sem esse coro de <strong>dor</strong>, o paciente de lepra vive em constante perigo. Vai usar sapatos apertados demais todos os<br />

dias. Vai an<strong>da</strong>r cinco, dez, quinze quilômetros sem mu<strong>da</strong>r o passo ou colocar o peso em outros pontos. E, como<br />

eu vira tantas vezes na Índia, mesmo que feri<strong>da</strong>s se abram nos pés, ele não vai mancar.<br />

Certa vez, vi um paciente de lepra pisar na beira<strong>da</strong> de uma pedra, como acontecera comigo na calça<strong>da</strong> em<br />

Carville. Ele torceu completamente o tornozelo, de modo que a sola do pé ficou vira<strong>da</strong> para dentro — e continuou<br />

an<strong>da</strong>ndo sem mancar. Mais tarde eu soube que havia rompido o ligamento lateral esquerdo, prejudicando<br />

severamente o tornozelo. Na ocasião, ele nem sequer olhou para o pé. Faltava-lhe a indispensável proteção ofereci<strong>da</strong><br />

pela <strong>dor</strong>.<br />

Notas<br />

1 Um fisioterapeuta amigo na Índia afirma que, paradoxalmente, as socie<strong>da</strong>des mais cultas são mais propensas a estigmatizar a doença. Ele cita a Nova<br />

Guiné e a Africa Central, que tendem a aceitar melhor os pacientes de lepra do que Japão, Coreia e Estados Unidos. Eu costumava discutir com ele, mas<br />

uma norma governamental a<strong>dor</strong>a<strong>da</strong> pelos EUA logo depois <strong>da</strong> guerra do Vietnã me fez refletir. Dezenas de milhares de refugiados em barcos estavam<br />

então buscando asilo nos Estados Unidos, e nós do Serviço de Saúde Pública recomen<strong>da</strong>mos enfaticamente que fossem examinados em relação à lepra. O<br />

Vietnã tem uma incidência modera<strong>da</strong>mente alta de lepra e parecia extremamente insensato admitir porta<strong>dor</strong>es ativos sem examiná-los e sem providenciar<br />

tratamento. O governo, porém, rejeitou nosso pedido. Era muito arriscado, disseram. Se a imprensa<br />

ficasse sabendo que algumas pessoas nos barcos eram leprosas, o público em geral iria voltar-se contra o projeto.<br />

2 Na maior parte <strong>da</strong>s vezes, usávamos o termógrafo para encontrar temperaturas quentes, que significavam inflamação. Mas, em um caso, ele provou ser<br />

valioso para revelar temperaturas frias. Eu tinha um paciente que fumava muito. Como costuma acontecer com os pacientes sem sensibili<strong>da</strong>de, ele<br />

queimava com frequência os dedos ao deixar que os cigarros ficassem acesos tempo demais. Adverti-o de que, além de causar aquelas feri<strong>da</strong>s crônicas, o<br />

cigarro era prejudicial para ele cm aspectos mais graves. A nicotina que inalava reduzia a circulação do sangue nos dedos, contraindo os vasos<br />

sanguíneos. To<strong>da</strong>via, seus dedos necessitavam de um suprimento de sangue para reparar os muitos <strong>da</strong>nos que tendem a afligir as mãos leprosas. Ele não<br />

levou em conta meu aviso até o dia em que pedi que fosse à clínica sem ter fumado nas horas antecedentes.<br />

Eu ajustara o termógrafo para registrar a cor azul a uma temperatura de cerca de dois graus mais fria do que a temperatura normal de seu dedo. Ele<br />

levantou as mãos na frente <strong>da</strong> máquina e dei-lhe instruções para acender um cigarro e inalar profun<strong>da</strong>mente. A imagem dos seus dedos começou como<br />

verde, depois se transformou em azul em cerca de dois minutos. Após cinco minutos eles desapareceram completamente <strong>da</strong> tela! O nível de nicotina, que<br />

aumentara subitamente, havia contraído suas artérias e capilares, esfriando os dedos a uma temperatura abaixo do mínimo ajustado para o termógrafo.<br />

Meu paciente ficou tão atónito ao ver seus dedos desaparecerem <strong>da</strong> tela que jogou fora o maço de cigarros e nunca mais voltou a fumar. Ele vivia entre<br />

pacientes que haviam perdido os dedos, e a experiência o convenceu de que era melhor <strong>da</strong>r aos dedos um bom suprimento de sangue a fim de mantê-los<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 112

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