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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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com a náusea. Ele sentiu um chute no estômago, uma agitação, uma contração muscular — as mesmas reações<br />

físicas que uma <strong>dor</strong> agu<strong>da</strong> provoca<strong>da</strong> por uma doença teria causado.<br />

O prazer, como a <strong>dor</strong>, está na mente e, até mais do que a <strong>dor</strong>, é uma interpretação que só depende em parte de<br />

informações dos órgãos dos sentidos. Na<strong>da</strong> assegura que a mesma experiência irá parecer prazerosa para duas<br />

pessoas diferentes: os sons que cativam um adolescente num concerto de rock podem produzir em seus pais algo<br />

parecido com a <strong>dor</strong>; o instrumento de sopro que arrebatou Samuel Pepys pode provocar sono no mesmo<br />

adolescente.<br />

GÊMEOS DIFERENTES<br />

O Dicionário Oxford de Inglês define prazer como uma condição "induzi<strong>da</strong> pelo gozo ou expectativa do que é<br />

sentido ou visto como bom ou desejável... o oposto <strong>da</strong> <strong>dor</strong>". Leonardo <strong>da</strong> Vinci viu isso de um modo diferente.<br />

Ele desenhou em seus cadernos uma figura masculina solitária dividindo-se em duas, mais ou menos na altura <strong>da</strong><br />

barriga: dois torsos, duas cabeças barbu<strong>da</strong>s e quatro braços, como gêmeos siameses unidos pela cintura. "Alegoria<br />

do prazer e <strong>da</strong> <strong>dor</strong>" foi o nome que deu ao estudo, completando: "O prazer e a <strong>dor</strong> são representados como<br />

gêmeos, como se unidos, pois um nunca existe sem o outro... Foram feitos com as costas volta<strong>da</strong>s um para o<br />

outro, por serem contrários um ao outro. Foram feitos saindo do mesmo tronco por terem um único fun<strong>da</strong>mento,<br />

pois o fun<strong>da</strong>mento do prazer é trabalho e <strong>dor</strong>, e os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> <strong>dor</strong> são prazeres inúteis e lascivos".<br />

Durante grande parte <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> eu teria, como faz o Dicionário Oxford, classificado o prazer como o oposto<br />

<strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Num gráfico, desenharia um pico em ca<strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de e uma depressão no meio: o pico <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />

representando a experiência <strong>da</strong> <strong>dor</strong> ou infelici<strong>da</strong>de agu<strong>da</strong>, o <strong>da</strong> direita, pura felici<strong>da</strong>de ou êxtase. A vi<strong>da</strong> normal,<br />

tranquila, ocuparia o espaço intermediário. A pessoa saudável, como eu a considerava então, afastava-se<br />

resolutamente <strong>da</strong> <strong>dor</strong> e seguia em direção à felici<strong>da</strong>de.<br />

Agora, entretanto, concordo mais com a descrição feita por Da Vinci, que considerava o prazer e a <strong>dor</strong> gêmeos<br />

siameses. Uma razão, como já afirmei, é que não vejo mais a <strong>dor</strong> como um inimigo do qual devemos fugir. No<br />

contato com pessoas priva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>dor</strong> aprendi que não posso gozar realmente a vi<strong>da</strong> sem a proteção ofereci<strong>da</strong> por<br />

ela. Há também um outro fator: tornei-me ca<strong>da</strong> vez mais consciente do curioso entrelaçamento <strong>da</strong> <strong>dor</strong> com o<br />

prazer. Redesenharia então o meu gráfico <strong>da</strong> escala <strong>da</strong> experiência humana para mostrar um pico central único<br />

com uma planície ao seu re<strong>dor</strong>. Esse pico representaria a Vi<strong>da</strong> com um V maiúsculo, o ponto em que a <strong>dor</strong> e o<br />

prazer se encontram, emergindo de uma região plana de sono, morte ou indiferença.<br />

Quando falo à igreja ou a grupos de médicos, geralmente conto histórias <strong>da</strong> minha infância ou <strong>da</strong> minha carreira<br />

de cirurgião na Índia. "Coitado de você", alguém pode dizer, "crescendo sem encanamento, eletrici<strong>da</strong>de ou sequer<br />

rádio. E os sacrifícios que fez trabalhando com pessoas tão dignas de pena, naquelas condições difíceis." Fico<br />

olhando estupefato para o simpatizante, percebendo como vemos o prazer e a satisfação de maneiras tão<br />

diferentes. Com o benefício <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de, posso rememorar três quartos de século, e, sem dúvi<strong>da</strong>, as épocas que<br />

pareciam envolver esforços pessoais irradiam agora um brilho peculiar. Em meu trabalho com pacientes de lepra,<br />

nossa equipe médica realmente enfrentou dificul<strong>da</strong>des e muitas barreiras, mas o processo do trabalho conjunto<br />

para superar essas barreiras produziu exatamente o que me lembro agora como sendo os momentos mais<br />

prazerosos de minha vi<strong>da</strong>. Quando observo meus netos crescendo na América suburbana, desejaria para eles a<br />

riqueza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que gozei nas condições "primitivas" <strong>da</strong> cordilheira Kolli Malai na Índia.<br />

Tenho memórias vivas dos morangos de minha infância. Quando minha mãe tentou cultivar morangos em nosso<br />

jardim, insetos, pássaros, gado e o clima hostil conspiraram contra eles. Se alguns frutos mais resistentes<br />

conseguiam derrotar seus inimigos, celebrávamos a cerimônia dos morangos. Sem uma geladeira para conserválos,<br />

era preciso comê-los imediatamente. Minha irmã, Connie, e eu tremíamos de expectativa. Nós nos reuníamos<br />

em volta <strong>da</strong> mesa com nossos pais e ficávamos olhando, cheirando e saboreando um ou dois morangos, brilhantes,<br />

suculentos. A seguir, sob o intenso escrutínio meu e de Connie, mamãe dividia os morangos em quatro porções<br />

iguais. Nós os arranjávamos num prato, acrescentávamos leite ou creme e comíamos ca<strong>da</strong> porção devagar e com<br />

deleite. Metade do prazer era devido ao gosto dos morangos e a outra metade à alegria de compartilhar. Hoje eu<br />

posso ir a um supermercado perto de casa e comprar um quilo de morangos, importados do Chile ou <strong>da</strong> Austrália,<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 177

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