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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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dinheiro doando meio litro de sangue do que puxando seu carro por um dia. Logo tivemos de inventar um sistema<br />

de tatuagem na pele para monitorar a frequência <strong>da</strong>s doações, porque, usando nomes falsos e indo para outros<br />

hospitais, alguns deles estavam doando até um litro de sangue por semana!<br />

Algumas vezes realizávamos cirurgias em aldeias e não no hospital. A princípio temi terríveis complicações com<br />

esses procedimentos ao ar livre, mas aprendemos que o ambiente do povoado não apresentava perigo real caso<br />

seguíssemos um método asséptico. Num prato de ágate colocado debaixo de uma árvore ao ar livre, poderiam<br />

crescer mais bactérias do que num prato posto no corre<strong>dor</strong> do hospital, mas certamente essas bactérias seriam<br />

menos prejudiciais e menos imunes aos antibióticos. Num hospital indiano comum, os germes <strong>da</strong>s piores doenças<br />

contagiosas, alguns deles em cepas resistentes, flutuam livremente pelos corre<strong>dor</strong>es. Isso não acontece no<br />

ambiente rural, onde os germes mais comuns são aqueles aos quais o habitante comum já desenvolveu resistência<br />

natural. Já realizei numerosas operações durante acampamentos de cirurgia — inclusive um em que tive de pedir<br />

emprestado um jogo de talhadeiras a um carpinteiro local e fervê-las — e não consigo me lembrar de que uma<br />

septicemia grave tenha ocorrido.<br />

Anton Chekhov algumas vezes realizava suas cirurgias — e autópsias — ao ar livre, debaixo de uma árvore. Suas<br />

descrições dos temores e superstições dos camponeses russos me fazem lembrar do que encontrei ocasionalmente<br />

na Índia rural, onde tínhamos de competir com remédios tradicionais. Por exemplo, uma vez que as famílias<br />

supersticiosas achavam importante que seu filho nascesse sob um bom signo do horóscopo, as parteiras empregavam<br />

várias técnicas para alterar a hora do parto. Com a mãe senta<strong>da</strong>, a parteira fazia um homem forte sentar-se<br />

nos ombros dela, a fim de fazer pressão sobre o canal do nascimento e adiar o trabalho de parto. Por outro lado,<br />

para apressar o parto, a parteira podia bater no abdome <strong>da</strong> pobre mulher.<br />

O maior obstáculo que enfrentávamos no trabalho de saúde era a água impura. Sem dúvi<strong>da</strong>, um grande número de<br />

crianças do Terceiro Mundo morrem de desidratação devi<strong>da</strong> à diarréia do que a qualquer outra causa. Podíamos<br />

controlar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> água do hospital, mas nas aldeias o suprimento de água era a fonte <strong>da</strong> doença. Na cura se<br />

encontrava o mal: quanto mais a criança bebia para combater a desidratação, tanto mais infecta<strong>da</strong> ela se tornava.<br />

De maneira interessante, a abundância de coqueiros no sul <strong>da</strong> Índia ofereceu uma saí<strong>da</strong> para este dilema.<br />

Eu havia trabalhado em Londres com Dick Dawson, um cirurgião que fora capturado pelos japoneses durante a<br />

guerra e enviado para trabalhar com os grupos de construção <strong>da</strong> infame estra<strong>da</strong> de ferro Birmânia-Sião. As<br />

condições eram medonhas. As turmas trabalhavam em pântanos, e uma vez que seus capta<strong>dor</strong>es não forneciam<br />

latrinas, em pouco tempo to<strong>da</strong> a água estava contamina<strong>da</strong> pelo esgoto. A disenteria estabeleceu-se, e os<br />

desnutridos prisioneiros britânicos morriam às dezenas. Como oficial-médico do regimento, Dawson ficou ca<strong>da</strong><br />

vez mais aflito, incapaz de evitar a morte dos sol<strong>da</strong>dos.<br />

De repente, certo dia, enquanto estava sentado numa ten<strong>da</strong> em meio àquele cenário infernal, Dick Dawson teve<br />

uma revelação. Olhando para o pântano pútrido, coberto de vapores, ele notou árvores altas e graciosas crescendo<br />

no meio de um brejo. No cimo <strong>da</strong>s árvores dependuravam-se cocos verdes e brilhantes. AH estava — um<br />

suprimento farto de fluido estéril cheio de nutrientes! Dawson ordenou aos sol<strong>da</strong>dos mais saudáveis que subissem<br />

nas árvores e derrubassem os cocos mais verdes (só os verdes serviam, antes que seu suco engrossasse, passando<br />

a leite de coco branco). A partir de então, Dawson conseguiu reidratar a maioria dos casos de disenteria mediante<br />

transfusões de água de coco. Ele afinou varinhas ocas de bambu para usar como agulhas e as prendeu a tubos de<br />

borracha. Uma agulha entrava no coco, a outra nas veias dos sol<strong>da</strong>dos.<br />

A técnica de Dick Dawson foi útil em partes <strong>da</strong> Índia onde fluidos estéreis não podiam ser obtidos. Nós<br />

geralmente dávamos água de coco aos pacientes pela boca, mas os hospitais <strong>da</strong>s aldeias algumas vezes usavam os<br />

cocos como uma fonte temporária de fluidos intravenosos (IV). Para os visitantes <strong>da</strong> Inglaterra ou dos Estados<br />

Unidos, era inconcebível ver um aparelho de metal IV preso a um tubo de borracha, saindo do braço do paciente<br />

para um coco. To<strong>da</strong>via, a mistura de frutose no coco fechado era tão esterilizado quanto qualquer produto de um<br />

laboratório fornece<strong>dor</strong> de suprimentos médicos. Grande número de vítimas de cólera e disenteria tem sido salvo<br />

por meio desse tratamento utilizado nas aldeias.<br />

O calor, as condições algumas vezes primitivas, as estranhezas <strong>da</strong> medicina indiana, os surtos regulares de<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 52

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