A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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crise terrível de <strong>dor</strong> em um dos lados do rosto. A mulher veio procurar-me desespera<strong>da</strong>, depois de tentar muitos<br />
tratamentos alternativos.<br />
— Todos os meus dentes foram removidos de um lado <strong>da</strong> face, mas a <strong>dor</strong> não desapareceu — informou<br />
Rajamma. — Depois deixei que um curandeiro local me queimasse e fiquei com cicatrizes.<br />
Ela apontou para as marcas na face esquer<strong>da</strong>.<br />
— A <strong>dor</strong> piorou. Agora, qualquer pequeno movimento ou som pode acarretar uma crise. Meus filhos não têm<br />
permissão para brincar perto de casa. Mantemos as galinhas presas para que não voem e me assustem.<br />
Eu sabia que o procedimento para tratar o tique doloroso envolvia uma exploração delica<strong>da</strong> do gânglio gasseriano<br />
localizado onde o quinto nervo craniano entra no cérebro e só devia ser tenta<strong>da</strong> por um neurocirurgião habilitado<br />
(se o ramo do nervo do olho fosse acidentalmente cortado, a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> sensação ocular poderia causar a per<strong>da</strong> do<br />
olho). Eu me achava, porém, no sul <strong>da</strong> Índia, onde não havia neurocirurgiões. Tentei primeiro amortecer o local<br />
com um anestésico, que falhou. Rajamma e o marido suplicaram que eu tentasse a cirurgia, mesmo que<br />
significasse cegueira ou morte.<br />
— Que tipo de vi<strong>da</strong> tenho agora? — perguntou Rajamma. — Olhe para mim. — Ela já estava perigosamente<br />
magra. — Não ouso mastigar, vivo de líquidos — explicou.<br />
Tentei finalmente a cirurgia e localizei dois pequenos nervos, finos como fios de algodão, que pareciam os<br />
principais transporta<strong>dor</strong>es <strong>da</strong> <strong>dor</strong> que ela sentia. Segurei-os com o fórceps por alguns segundos antes de cortá-los.<br />
Seriam aqueles fiozinhos a fonte <strong>da</strong> tirania? E seu eu cortasse os nervos errados? Secionei-os e fechei o corte.<br />
Estou certo de que a minha tensão era tão grande quanto a de Rajamma enquanto sentava junto dela na enfermaria<br />
e mapeava a área de sua face que agora não tinha qualquer sensação. Um tanto hesitante, ela começou a tentar os<br />
movimentos que antes causavam espasmos de <strong>dor</strong>. Tentou um leve sorriso, seu primeiro sorriso deliberado em<br />
anos, e não houve crise. O marido olhou-a radiante.<br />
A cirurgia provou ser um sucesso e aos poucos o mundo de Rajamma entrou nos eixos. Quando voltou para casa,<br />
as galinhas foram novamente bem recebi<strong>da</strong>s. As crianças começaram a brincar sem medo de fazer mal à mãe. Em<br />
seus círculos ca<strong>da</strong> vez mais amplos, a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> família voltou ao normal. O despotismo <strong>da</strong> <strong>dor</strong> fora finalmente<br />
vencido.<br />
RESPOSTA<br />
Estimula<strong>dor</strong>es transcutâneos, bloqueios epidurais, cordotomia espinhal — essas técnicas podem aju<strong>da</strong>r na <strong>dor</strong><br />
persistente, a longo prazo, mas em muitos casos o corpo encontra um novo caminho e a<strong>dor</strong>retorna.<br />
Por esta razão, centros de <strong>dor</strong> crônica aprenderam a atacar a <strong>dor</strong> nas três frentes: sinais do local com problemas,<br />
mensagens ao longo <strong>da</strong>s rotas de transmissão e reação mental. Na reali<strong>da</strong>de, cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> saúde psicológica do<br />
paciente e do ambiente familiar pode causar tanto efeito sobre a <strong>dor</strong> quanto receitar analgésicos ou um dispositivo<br />
ETN. Um psiquiatra de Boston afirmou:<br />
— Metade <strong>da</strong>s pessoas que vão às clínicas com queixas físicas estão na ver<strong>da</strong>de dizendo "Minha vi<strong>da</strong> dói". A <strong>dor</strong><br />
é de fato uma expressão existencial.<br />
Em minha abor<strong>da</strong>gem à <strong>dor</strong>, dou maior priori<strong>da</strong>de ao terceiro estágio. Isso pode parecer estranho, uma vez que<br />
passei grande parte de minha carreira trabalhando com pacientes de lepra, que sofrem com a ausência de sinais de<br />
<strong>dor</strong> na periferia (primeiro estágio). Mas o próprio fato de que eles "sofrem" prova a importância <strong>da</strong> mente na<br />
experiência <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Os leprosos me aju<strong>da</strong>ram a compreender a diferença entre <strong>dor</strong> e sofrimento.<br />
— Estou sofrendo em minha mente porque não posso sofrer em meu corpo — foi a maneira de meu paciente<br />
Namo expressar-se.<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 153