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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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figuras humanas, os pacientes, arrastando-se pelas montanhas de lixo em busca de algo valioso. Uma torneira<br />

gotejando no meio do depósito era a sua única provisão de água. Perto <strong>da</strong>li, encontrei a clínica assea<strong>da</strong> de madeira<br />

onde a dra. Pfau mantinha seu consultório. Com eficiência teutônica ela criara um oásis de ordem em meio àquela<br />

miséria. Mostrou-me seus registros meticulosamente mantidos sobre ca<strong>da</strong> paciente. O completo contraste entre a<br />

cena horrível do lado de fora e o amor e cui<strong>da</strong>do palpáveis dentro de sua minúscula clínica ficou gravado em<br />

minha mente. A dra. Pfau estava envolvi<strong>da</strong> no trabalho de transformação <strong>da</strong> <strong>dor</strong>.<br />

Penso no abade Pierre, filho de um rico merca<strong>dor</strong> de se<strong>da</strong> em Lyon, França. Pierre fora um político proeminente<br />

antes <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial. Depois dela, contristado com a pobreza que via, demitiu-se do cargo e tornouse<br />

um frei católico dedicado a aju<strong>da</strong>r os milhares de mendigos sem lar na França. Organizou-os em equipes para<br />

vasculhar a ci<strong>da</strong>de em busca de trapos, garrafas e pe<strong>da</strong>ços de metal. Construíram a seguir um depósito com tijolos<br />

jogados fora e começaram um negócio no qual classificavam e reciclavam as enormes pilhas de refugo que<br />

recolhiam. O abade Pierre obteve terra de graça do governo francês e alguns equipamentos de construção<br />

(mistura<strong>dor</strong>as de concreto, pás, carrinhos de mão), que seus trabalha<strong>dor</strong>es usaram para construir suas próprias<br />

moradias. Na periferia de quase to<strong>da</strong> grande ci<strong>da</strong>de na França, surgiram essas "ci<strong>da</strong>des do abade Pierre". Ele<br />

visitou Vellore como parte de uma viagem mundial numa época em que a sua organização, os Discípulos de<br />

Emaús, estava em crise. Como ex-plicou-me:<br />

— Acredito que todo ser humano necessita ser necessitado.Meus mendigos precisam encontrar alguém em<br />

situação pior do que a deles, alguém a quem possam servir. Caso contrário, vamos nos tornar uma organização<br />

rica, poderosa, e o impacto espiritual vai perder-se!<br />

Em Vellore ele encontrou uma missão adequa<strong>da</strong> para seus mendigos recém-prósperos: concordou com que seus<br />

segui<strong>dor</strong>es doassem uma enfermaria para os pacientes leprosos do hospital Vellore. Só no serviço, disse o abade<br />

Pierre, eles poderiam encontrar a ver<strong>da</strong>deira felici<strong>da</strong>de.<br />

Penso num homem que todos chamávamos de "tio Robbie", um neozelandês que apareceu certo dia em Vellore,<br />

sem aviso prévio. Era um homem de altura média, com cerca de 65 anos. — Tenho alguma experiência na<br />

confecção de sapatos — disse. — Gostaria de ser útil aos seus pacientes de lepra. Estou aposentado e não preciso<br />

de dinheiro. Só um banco e algumas ferramentas.<br />

Os fatos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do tio Robbie foram surgindo aos poucos. Ficamos surpresos ao saber que fora um cirurgião<br />

ortopédico, de fato chefe de ortopedia de to<strong>da</strong> a Nova Zelândia. Desistira <strong>da</strong> cirurgia quando seus dedos<br />

começaram a tremer. Esses detalhes tiveram de ser arrancados do tio Robbie; ele ficava muito mais animado ao<br />

falar de sapatos. Aprendera a trabalhar com couro, como molhá-lo e esticá-lo sobre um molde, depois preencher<br />

todos os lugares vazios com pequenos pe<strong>da</strong>cinhos colados juntos. Ele passava horas num único par de sapatos e<br />

continuava fazendo ajustes até que o pé do paciente não mostrasse pontos de estresse. O tio Robbie (ninguém o<br />

chamava de dr. Robertson) morava sozinho num quarto de hóspedes no leprosário — sua mulher morrera alguns<br />

anos antes. Ele trabalhou conosco três ou quatro anos, treinando um pelotão de sapateiros indianos, até que nos<br />

notificou um dia.<br />

— Penso que terminei meu trabalho aqui. Conheço outro leprosário no norte <strong>da</strong> Índia e outro na costa.<br />

Partiu então, e nos anos que se seguiram o tio Robbie deixou uma trilha de serviços prestados nos principais<br />

leprosários <strong>da</strong> Índia. Ao vê-lo trabalhar com tanta ternura para os pés <strong>da</strong>nificados dos pacientes de lepra, era<br />

difícil imaginá-lo no ambiente prestigioso e de alta pressão <strong>da</strong> cirurgia ortopédica na Nova Zelândia. Ele era um<br />

homem absolutamente despretensioso, e quase todos os que o conheciam acabavam por amá-lo. Ninguém jamais<br />

sentiu pena do tio Robbie — ele era talvez a pessoa mais satisfeita que já conheci. Fazia o seu trabalho só para a<br />

glória de Deus.<br />

Penso na irmã Lilla, que, como Robbie, apareceu em Vellore sem se anunciar. Ela usava um sari simples de um<br />

jeito diferente, quase como o hábito de uma freira. Era de fato uma freira católica, embora não fosse membro de<br />

nenhuma ordem em particular.<br />

— Acho que sei como curar feri<strong>da</strong>s no pé de um paciente leproso — disse-me ela, com firmeza.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 185

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