19.05.2013 Views

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

quando ativa<strong>da</strong>. Era inofensiva, mas dolori<strong>da</strong>, pelo menos quando aplica<strong>da</strong> em partes do corpo que podiam sentir<br />

<strong>dor</strong>.<br />

Os bacilos <strong>da</strong> lepra, que preferiam as partes mais frias do corpo, geralmente deixavam as regiões quentes, como as<br />

axilas, sem serem perturba<strong>da</strong>s; começamos então a colocar a bobina elétrica nas axilas dos pacientes para testar.<br />

Alguns voluntários deixaram o programa, mas outros mais valentes permaneceram. Notei, entretanto, que eles<br />

consideravam a <strong>dor</strong> de nossos sensores artificiais de um modo diferente <strong>da</strong>quela <strong>da</strong>s fontes naturais. Tendiam a<br />

ver os choques elétricos como um castigo por quebra de regras, e não como mensagens de uma parte do corpo<br />

posta em perigo. Reagiam com ressentimento, que não é um instinto de autopreservação, porque nosso sistema<br />

artificial não tinha uma ligação inata com seu sentido do eu. Não reagiam bem ao sentirem um golpe na axila por<br />

algo que acontecia na mão.<br />

Aprendi uma distinção fun<strong>da</strong>mental: a pessoa que não sente <strong>dor</strong> é orienta<strong>da</strong> para a tarefa, enquanto a que possui<br />

um sistema de <strong>dor</strong> intacto é auto-orienta<strong>da</strong>. O indivíduo que não sente <strong>dor</strong> pode saber por meio de um sinal que<br />

um certo ato é <strong>da</strong>noso, mas se realmente desejar, contínua a praticá-lo de qualquer jeito. A pessoa sensível à <strong>dor</strong>,<br />

por mais que queira fazer algo, irá parar por causa <strong>da</strong> <strong>dor</strong>, porque bem no fundo de sua psique ela sabe que<br />

proteger seu próprio eu é mais importante do que qualquer outra coisa que deseje fazer.<br />

Nosso projeto passou por vários estágios, consumindo cinco anos de pesquisa laboratorial, milhares de homenshora<br />

e mais de um milhão de dólares concedidos pelo governo. No final tivemos de abandonar todo o plano. Um<br />

sistema de alarme adequado para apenas uma <strong>da</strong>s mãos era exorbitantemente dispendioso, sujeito a estragos<br />

mecânicos frequentes e absolutamente inadequado para interpretar a profusão de sensações que constituem o<br />

toque e a <strong>dor</strong>. Mais importante, não descobrimos um meio de superar a— fraqueza fun<strong>da</strong>mental em nosso<br />

sistema: ele permanecia sob o controle do paciente. Se este não quisesse atender aos avisos dos sensores, podia<br />

sempre encontrar um meio de enganar todo o sistema.<br />

Em retrospecto, posso apontar um único instante em que eu soube definitivamente que o projeto de sistema<br />

substituto de <strong>dor</strong> iria falhar. Estava procurando uma ferramenta na oficina de artesanato quando Charles, um de<br />

nossos pacientes voluntários, entrou para substituir uma guarnição no motor de uma bicicleta motoriza<strong>da</strong>. Ele<br />

atravessou com ela o chão de concreto, chutou o banquinho e sentour-se cara trabalhar no motor a gasolina.<br />

Observei-o com o canto do olho. Charles era um de nossos voluntários mais conscienciosos, e eu estava ansioso<br />

para ver como os sensores de <strong>dor</strong> artificial em sua luva iriam desempenhar-se.<br />

Um dos pinos do motor havia evidentemente enferrujado e Charles fez várias tentativas para soltá-lo com uma<br />

chave inglesa. Não conseguiu. Eu o vi forçar a chave e depois parar bruscamente, <strong>da</strong>ndo um repelão para trás. A<br />

bobina elétrica devia tê-lo alertado. (Eu não podia deixar de estremecer ao observar nosso sistema de <strong>dor</strong> artificial<br />

funcionando como devia.) Charles estudou a situação por um momento, depois desligou um fio em sua axila. Ele<br />

soltou o pino com uma chave grande, pôs de novo a mão dentro <strong>da</strong> camisa e religou o fio. Foi então que eu soube<br />

do nosso fracasso. Qualquer sistema que permitisse livre escolha aos nossos pacientes estava condenado.<br />

Jamais concretizei meu sonho de "um substituto prático para a <strong>dor</strong>", mas o processo pelo menos respondeu as<br />

duas perguntas que me perseguiram durante muito tempo. Por que a <strong>dor</strong> deve ser desagradável? Por que a <strong>dor</strong><br />

deve persistir? Nosso sistema falhou exatamente porque não podíamos reproduzir efetivamente essas duas<br />

quali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. O poder misterioso do cérebro humano pode forçar a pessoa a PARAR! — algo que eu jamais<br />

pude conseguir com o meu sistema substituto. E a <strong>dor</strong> "natural" vai persistir enquanto houver ameaça de perigo,<br />

quer queiramos ou não; ao contrario do meu sistema substituto, ela não pode ser desliga<strong>da</strong>.<br />

Enquanto trabalhava no sistema substituto, pensei algumas vezes em meus pacientes de artrite reumatóide, que<br />

ansiavam exatamente pelo tipo de chave liga-desliga que estávamos instalando. Se os pacientes reumatóides<br />

tivessem uma chave ou fio que pudessem desligar, a maior parte destruiria suas mãos em dias ou semanas. Que<br />

felici<strong>da</strong>de, pensei, que para a maioria de nós a chave <strong>da</strong> <strong>dor</strong> ficará sempre fora do nosso alcance.<br />

Em novembro de 1972, mais ou menos na época em que eu estava começando a aceitar o fracasso do nosso<br />

projeto, recebi a notícia de que minha filha Mary dera à luz nosso primeiro neto. Alguns meses se passaram antes<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 123

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!