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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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casamos.<br />

Passamos uma lua-de-mel de oito dias no Vale Wye e depois nos estabelecemos em dois horários caóticos e<br />

separados. Margaret aceitou um emprego do outro lado <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e eu me tornei médico-cirurgião do Hospital<br />

Infantil <strong>da</strong> rua Great Ormond. Uma vez que muitos dos melhores médicos ingleses haviam embarcado para o<br />

front, tive oportuni<strong>da</strong>des quase ilimita<strong>da</strong>s de praticar técnicas cirúrgicas. Durante o dia praticava procedimentos<br />

pediátricos e à noite supervisionava a seção de acidentes, onde vítimas mutila<strong>da</strong>s pelos bombardeios eram<br />

recebi<strong>da</strong>s. Para um cirurgião incipiente, a experiência era inestimável; para um marido recém-casado, porém, era<br />

muito exasperante. Margaret e eu só podíamos passar juntos fins de semana alternados, e o lugar desses encontros<br />

era geralmente um abrigo antibombas no porão com o resto <strong>da</strong> família dela.<br />

Mais ou menos nessa época, uma nova e terrível arma apareceu nos céus de Londres: o foguete v-1, ou bomba<br />

zumbi<strong>dor</strong>a, como o chamávamos. Ele voava em linha direta, com uma cau<strong>da</strong> em chamas estendi<strong>da</strong> atrás, e<br />

tiquetaqueava como uma metralha<strong>dor</strong>a até consumir todo o combustível. Seguiam-se vinte segundos de silêncio<br />

mortal, depois disso o foguete oscilava um pouco e caía por terra com um barulho ensurdece<strong>dor</strong>. Lembro-me de<br />

uma noite de vigília quando calculei o choque frontal de um foguete V-1 com o hospital <strong>da</strong> rua Great Ormond. Fiz<br />

soar o alarme. A bomba zumbi<strong>dor</strong>a passou rente ao teto onde eu estava agachado, errando por seis metros, mas<br />

atingindo com to<strong>da</strong> a força o hospital Royal Free, algumas ruas adiante. Desci correndo do telhado e presenciei<br />

uma cena do inferno de Dante. As paredes <strong>da</strong> enfermaria obstétrica haviam desabado e voluntários já estavam<br />

cavando nos escombros fumegantes para encontrar recém-nascidos, a maioria deles corn menos de uma semana<br />

de vi<strong>da</strong>. Das ruínas, os voluntários retiravam bebês salpicados de caliça, sangue, fuligem e vidro. O choro fino e<br />

comovente dessas criancinhas não foi ouvido em meio ao clamor geral. De um lado, as mães, em roupões<br />

cinzentos por causa <strong>da</strong> poeira dos entulhos, observavam com expressões de medo e desespero alternando em seus<br />

rostos. Voluntários, formando uma fila como uma briga<strong>da</strong> de incêndio, passavam os bebês para ambulâncias que<br />

começaram a parar numa rua que brilhava devido ao vidro quebrado. Voltei às pressas para a rua Ormond, a fim<br />

de preparar o hospital para receber esses novos casos.<br />

Alguns meses mais tarde, tive um vislumbre do que aquelas mães deviam estar sentindo. Dei um plantão de<br />

vigília no telhado do hospital <strong>da</strong> rua Great Ormond na noite em que Margaret entrou em trabalho de parto de<br />

nosso primeiro filho. Eu a deixei num hospital <strong>da</strong>s proximi<strong>da</strong>des e corri para minha vigília a três quilômetros de<br />

distância. O bombardeio nunca parecera tão pesado quanto naquela noite. Observei a linha do horizonte ao norte,<br />

com um sentimento de desespero e tristeza, certo de que as bombas altamente explosivas que caíam ali estavam<br />

atingindo o Royal Northern Hospital, onde Margaret se achava. Tudo correu bem com ela, graças a Deus, e depois<br />

<strong>da</strong> última vítima de bombardeios ter sido trata<strong>da</strong> no Ormond, corri para o lado de minha mulher para conhecer<br />

meu filho, Christopher.<br />

COMPENSAÇÕES<br />

Embora assistisse aos terríveis efeitos <strong>da</strong> guerra todos os dias na seção de acidentados, vi também o melhor do<br />

espírito humano.Segundo pesquisas modernas, a maioria dos londrinos que passaram pelos bombardeios lembrase<br />

hoje <strong>da</strong>queles dias com apreciação e nostalgia. Eu teria de concor<strong>da</strong>r.<br />

A Grã-Bretanha ficou bastante isola<strong>da</strong> depois <strong>da</strong> que<strong>da</strong> <strong>da</strong> França e <strong>da</strong>s nações européias ocidentais. Os sol<strong>da</strong>dos<br />

que se retiraram contavam histórias de horror <strong>da</strong>s briga<strong>da</strong>s rápi<strong>da</strong>s de tanques, e esperávamos uma invasão alemã<br />

a qualquer momento. A ca<strong>da</strong> noite, mais bombas caíam sobre Londres. To<strong>da</strong>via, de alguma forma, naquela<br />

atmosfera de medo e ameaça, um novo sentimento de comuni<strong>da</strong>de cresceu.<br />

Certa noite desci as esca<strong>da</strong>s do metrô de Londres, ou "túnel", onde descobri uma ci<strong>da</strong>de inteira de pessoas<br />

morando nas plataformas e passagens subterrâneas. Algumas estavam pondo as crianças na cama, outras<br />

jantavam, outras se reuniam em grupos contando pia<strong>da</strong>s e até cantando. Tive de passar por cima de dezenas de<br />

corpos a<strong>dor</strong>mecidos, estendidos em colchões e cobertores, a fim de pegar o trem. Fiquei sabendo que aquelas<br />

pessoas chegavam to<strong>da</strong>s as noites para escapar <strong>da</strong>s bombas e <strong>da</strong>s sirenes estrepitosas. As autori<strong>da</strong>des tentaram a<br />

princípio expulsá-las, mas logo mu<strong>da</strong>ram de ideia e abasteceram a plataforma com beliches de arame entrelaçado.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 37

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