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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Nos casos mais avançados de lepra, meus pacientes não sentiam absolutamente "<strong>dor</strong>": nenhuma sensação negativa<br />

chegava ao cérebro deles quando tocavam um fogão quente ou pisavam num prego. To<strong>da</strong>via, todos sofriam, tanto<br />

quanto qualquer outra pessoa que já conheci. Eles perderam a liber<strong>da</strong>de que a <strong>dor</strong> oferece, perderam o senso do<br />

toque e algumas vezes <strong>da</strong> visão, perderam a atração física, e, por causa do estigma <strong>da</strong> doença, perderam o<br />

sentimento de aceitação por parte de outros seres humanos. A mente reagiu a esses efeitos <strong>da</strong> falta de <strong>dor</strong> com um<br />

sentimento que só poderia ser chamado de sofrimento.<br />

Para o resto de nós, <strong>dor</strong> e sofrimento quase sempre chegam no mesmo pacote. Minha meta no gerenciamento <strong>da</strong><br />

<strong>dor</strong> é buscar meios de empregar a mente humana como um aliado, e não um adversário. Em outras palavras, posso<br />

evitar que a "<strong>dor</strong>" se transforme em "sofrimento" desnecessário? A mente oferece recursos esplêndidos justamente<br />

para isso.<br />

Em meus dias de treinamento médico, fiquei mistificado com alguns dos enigmas <strong>da</strong> <strong>dor</strong>: a reação do "efeito<br />

Anzio" aos ferimentos no campo de batalha e os poderes misteriosos do placebo, <strong>da</strong> hipnose e <strong>da</strong> lobotomia. Na<br />

época, a ciência não tinha explicação para esses fenômenos; <strong>da</strong> mesma forma que o faquir hindu domina a <strong>dor</strong>,<br />

eles pertenciam mais ao campo <strong>da</strong> magia do que ao <strong>da</strong> medicina. Em anos mais recentes, os pesquisa<strong>dor</strong>es<br />

desven<strong>da</strong>ram alguns dos segredos <strong>da</strong> alquimia do cérebro. Parece que o corpo fabrica seus próprios narcóticos,<br />

que pode liberar mediante pedidos para bloquear a <strong>dor</strong>.<br />

O cérebro é um farmacêutico-mestre. Seu diminuto opiato de etorfina possui, grama a grama, dez mil vezes o<br />

poder analgésico <strong>da</strong> morfina. Neurotransmissores como esses modificam as sinapses dos neurónios cerebrais,<br />

mu<strong>da</strong>ndo literalmente a percepção <strong>da</strong> <strong>dor</strong> como está sendo classifica<strong>da</strong> e processa<strong>da</strong>. O sol<strong>da</strong>do que reage<br />

espontaneamente à excitação <strong>da</strong> batalha e o faquir que exerce uma disciplina adquiri<strong>da</strong> provavelmente<br />

encontraram meios de tirar proveito <strong>da</strong>s forças analgésicas naturais do cérebro. Os nervos periféricos estão<br />

enviando sinais, a medula espinhal está transmitindo mensagens, mas as células cerebrais alteram essa mensagem<br />

antes que ela se transforme em <strong>dor</strong>.<br />

Uma vez descobertos (na déca<strong>da</strong> de 1970), os neuro transmissores cerebrais mostraram a possibili<strong>da</strong>de de novas e<br />

interessantes abor<strong>da</strong>gens ao gerenciamento <strong>da</strong> <strong>dor</strong>: (1) é possível que os neurotransmissores <strong>da</strong> <strong>dor</strong> possam ser<br />

produzidos artificialmente, permitindo que lidemos melhor com a <strong>dor</strong> mediante intervenção externa; (2) talvez<br />

pudéssemos ensinar o cérebro a fornecer seus elixires mediante pedidos, sempre que os desejemos.<br />

A primeira linha de pesquisa está ain<strong>da</strong> em seu início. Os pesquisa<strong>dor</strong>es sintetizaram várias e poderosas<br />

enkephalins, mas grandes barreiras ain<strong>da</strong> permanecem. De um lado, enzimas protetoras interceptam a maioria dos<br />

elementos químicos quando eles tentam passar <strong>da</strong> corrente sanguínea para o cérebro, e um analgésico que deva ser<br />

injetado diretamente no cérebro apresenta evidentemente desvantagens. Os sintéticos tendem também a viciar: o<br />

cérebro deixa de produzir suas próprias enkephalins na presença <strong>da</strong>s artificiais, deixando o usuário com a opção<br />

de vício permanente ou uma abstinência agonizante.<br />

A abor<strong>da</strong>gem oposta, estimular os analgésicos do próprio cérebro, possui potencial quase ilimitado. No interior <strong>da</strong><br />

caixa de marfim do crânio, a psicologia e a fisiologia se unem. Sabemos que a reação <strong>da</strong> pessoa à <strong>dor</strong> depende em<br />

grande parte de fatores "subjetivos", tais como preparo emocional e expectativas culturais, que afetam por sua vez<br />

a química do cérebro. Ao alterar esses fatores subjetivos, podemos influenciar diretamente a percepção <strong>da</strong> <strong>dor</strong>.<br />

A <strong>dor</strong> que acompanha o parto oferece um exemplo excelente. As socie<strong>da</strong>des que praticam o couvade dão prova<br />

dramática de que a cultura desempenha uma parte importante na determinação de quanta <strong>dor</strong> a parturiente sente.<br />

Ao que tudo indica — e as aparências desafiam a compreensão para as mulheres que tiveram partos difíceis — as<br />

mães nas socie<strong>da</strong>des que praticam o couvade não sentem muita <strong>dor</strong>. Na cultura ocidental, porém, a <strong>dor</strong> do parto é<br />

considera<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s piores. Ronald Melzack, usando o Questionário de Dor McGill, entrevistou centenas de<br />

pacientes e determinou que as mães consideravam a <strong>dor</strong> do parto maior do que a <strong>da</strong>s costas, câncer, herpes-zoster,<br />

<strong>dor</strong> de dentes ou artrite. .<br />

Melzack descobriu também que na segun<strong>da</strong> gravidez as mães acharam a <strong>dor</strong> do parto menos agu<strong>da</strong>. Sua<br />

experiência anterior ajudou a diminuir o limiar do medo e <strong>da</strong> ansie<strong>da</strong>de e subsequentemente a percepção <strong>da</strong> <strong>dor</strong>.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 154

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