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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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<strong>dor</strong> muscular que adverte contra o excesso de uso. Suas mãos e pés pareciam os modelos de gesso que eu fizera de<br />

meus pacientes de lepra com mais deformi<strong>da</strong>des, com muitos dedos ausentes e encurtados.<br />

O dr. McNaughton, neurologista-chefe <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de, contou-me parte <strong>da</strong> história de Jane.<br />

— Ela costumava ser muito cui<strong>da</strong>dosa, uma paciente exemplar. Como sabe, vinte anos é uma i<strong>da</strong>de bem madura<br />

para alguém com esta condição. Seus problemas recentes começaram com um acidente de carro. O carro de Jane<br />

derrapou numa estra<strong>da</strong> coberta de neve e caiu numa valeta. Quando ligou o motor, os pneus começaram a ro<strong>da</strong>r.<br />

Ela deve ter entrado em pânico, porque saiu do carro e insensatamente tentou levantar uma ro<strong>da</strong> para colocar uma<br />

esteira de tração sob ela. Algo deu errado — ela ouviu um estalo e perdeu as forças. É claro que não sentiu na<strong>da</strong>.<br />

Quando conseguiu soltar o carro, veio direto para cá fazer um exame. Tiramos uma radiografia e descobrimos que<br />

a sua coluna vertebral havia quebrado. Imagine, uma coluna quebra<strong>da</strong> e não sentiu na<strong>da</strong>! Imobilizamos então o<br />

corpo dela.<br />

A insensibili<strong>da</strong>de também afeta os nervos simpáticos, interferindo na capaci<strong>da</strong>de de suar. Depois de algumas<br />

semanas, o dr. McNaughton disse que Jane começou a sentir calor em sua atadura de gesso, tanto calor que a<br />

removeu com as mãos nuas, machucando os dedos. A coluna cicatrizou-se incorretamente, com uma junta falsa<br />

entre as vértebras (ele me mostrou radiografias <strong>da</strong> junta desalinha<strong>da</strong>). Certo dia, quando Jane curvou-se, ajunta<br />

falsa escorregou por sobre a medula espinhal, partindo-a. Nos seus últimos meses de vi<strong>da</strong>, Jane ficou paralítica.<br />

As pessoas, porém, não morrem de paralisia; portanto, não foi o problema na coluna que matou Jane. Ela morreu<br />

de uma simples infecção urinária. Complica<strong>da</strong> pela incontinência e pela sua incapaci<strong>da</strong>de de sentir quaisquer<br />

sinais de advertência <strong>da</strong> <strong>dor</strong>, a infecção causou <strong>da</strong>nos irreversíveis aos seus rins.<br />

Voltei a Carville decidido a usar Jane como uma lição objetiva para os meus pacientes que não sentiam <strong>dor</strong>.<br />

— Nunca desistam! — recomendei a eles. — Vocês devem ser diligentes o dia inteiro. Nunca deixem de pensar<br />

sobre as maneiras com que podem machucar-se.<br />

Gostaria de relatar o sucesso de minha campanha educativa, mas na ver<strong>da</strong>de não posso. Pouco depois <strong>da</strong> viagem<br />

ao Canadá, encontrei James, um paciente congenitamente incapaz de sentir <strong>dor</strong>, escarrapachado sobre o motor<br />

quente de um carro com seus dois tocos amputados, colocando todo o seu peso sobre uma chave inglesa na<br />

tentativa de afrouxar uma porca. Nunca encontrei um meio de comunicar às pessoas que não sentem <strong>dor</strong> as lições<br />

que são ensina<strong>da</strong>s tão natural e obrigatoriamente por um sistema saudável de <strong>dor</strong>.<br />

ABAFANDO A DOR<br />

Tânia, James e outros como eles reforçaram dramaticamente o que já havíamos aprendido com os pacientes de<br />

lepra: a <strong>dor</strong> não é o inimigo, mas o arauto leal anunciando o inimigo. To<strong>da</strong>via — este é o paradoxo central <strong>da</strong><br />

minha vi<strong>da</strong> —, depois de passar anos e anos entre pessoas que destroem a si mesmas por falta de <strong>dor</strong>, ain<strong>da</strong> acho<br />

difícil comunicar uma apreciação <strong>da</strong> <strong>dor</strong> aos que têm tal defeito. A <strong>dor</strong> é realmente a <strong>dádiva</strong> que ninguém quer.<br />

Não posso pensar em na<strong>da</strong> que seja mais precioso para aqueles que sofrem de ausência de <strong>dor</strong> congênita, lepra,<br />

diabetes e outras desordens dos nervos. As pessoas que já têm esse dom, entretanto, raramente o apreciam. No<br />

geral, ressentem-se dele.<br />

Minha estima pela <strong>dor</strong> é tão contrária à atitude comum que às vezes sinto-me como um subversivo, especialmente<br />

nos países ocidentais modernos. Em minhas viagens observei uma irônica lei reversa em funcionamento: à medi<strong>da</strong><br />

que uma socie<strong>da</strong>de se torna capaz de limitar o sofrimento, ela perde a capaci<strong>da</strong>de de li<strong>da</strong>r com o que o sofrimento<br />

representa. (São os filósofos, teólogos e escritores do ocidente abastado, e não do Terceiro Mundo, que se<br />

preocupam obsessivamente com "o problema <strong>da</strong> <strong>dor</strong>" e apontam um dedo acusa<strong>dor</strong> contra Deus.)<br />

As socie<strong>da</strong>des "menos avança<strong>da</strong>s" certamente não temem tanto a <strong>dor</strong> física. Observei etíopes sentados<br />

calmamente, sem anestesia, enquanto um dentista trabalhava com a pinça em volta de seus dentes estragados. As<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 118

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