19.05.2013 Views

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Não posso imaginar um ambiente melhor para aprender sobre o mundo natural e especialmente sobre a <strong>dor</strong>. Ela<br />

estava tão perto de nós quanto nossas refeições diárias. Nossa cozinheira não comprava uma galinha em pe<strong>da</strong>ços e<br />

já prepara<strong>da</strong>, mas escolhia uma no galinheiro e cortava sua cabeça grasnante. Eu ficava olhando enquanto a ave<br />

corria loucamente até que o sangue parava de jorrar, depois a levava para a cozinha a fim de limpá-la. Quando<br />

chegava o dia de matar uma cabra, todo o povoado se reunia enquanto o açougueiro cortava a garganta do animal,<br />

tirava a pele e dividia a carne. Eu ficava nas imediações, sentindo um misto de aversão e fascínio.<br />

Por causa <strong>da</strong> <strong>dor</strong>, eu tomava muito cui<strong>da</strong>do quando ia até o sanitário à noite, pisando em terreno patrulhado por<br />

escorpiões. Nas caminha<strong>da</strong>s, ficava alerta para evitar o ataque de um besouro que, quando surpreendido, se<br />

levantava nas patas de trás e espirrava um jato de líquido ardente nos olhos do intruso. Ficava também de<br />

sobreaviso por causa <strong>da</strong>s serpentes: cobras, víboras e a "serpente dos onze passos", cujo veneno potente, segundo<br />

meu pai, matava um homem antes de seu décimo primeiro passo. Meu pai tinha uma espécie de admiração por<br />

essas criaturas. Ele se maravilhava e tentava explicar-me a estranha química do veneno, desenhando um diagrama<br />

dos dentes inocula<strong>dor</strong>es e do tecido erétil que permitia às serpentes projetarem seu veneno por meio de canais<br />

ocos nos dentes. Eu ouvia embevecido e continuei a manter-me o mais distante possível delas.<br />

Logo cedo, reconheci uma justiça rigorosa na lei <strong>da</strong> natureza, onde a <strong>dor</strong> servia como uma linguagem comum. As<br />

plantas a usavam em forma de espinhos para afastar as vacas mastiga<strong>dor</strong>as; cobras e escorpiões faziam uso dela<br />

para advertir os seres humanos que se aproximavam; e eu também a usava para vencer as lutas com oponentes<br />

maiores. Para mim essa <strong>dor</strong> parecia justa: a legítima defesa de criaturas protegendo o seu território. Fiquei impressionado<br />

com o relato escrito de David Livingstone sobre ter sido atacado e arrastado por um leão no matagal.<br />

Enquanto pendia <strong>da</strong> queixa<strong>da</strong> do bicho, como um rato do campo carregado por um gato doméstico, ele pensou<br />

consigo mesmo: "Afinal de contas ele é o rei dos animais".<br />

FAQUIRES E FÓRCEPS<br />

Em nossas raras viagens para uma ci<strong>da</strong>de grande como Madras, vi um tipo diferente de sofrimento humano.<br />

Mendigos enfiavam as mãos pelas janelas antes mesmo de o trem parar. Uma vez que a deformi<strong>da</strong>de física tendia<br />

a atrair maior número de esmolas, os amputados usavam proteções de couro de cores brilhantes em seus tocos, e<br />

os mendigos com grandes tumores abdominais os preparavam para exibição pública. Algumas vezes uma criança<br />

era delibera<strong>da</strong>mente aleija<strong>da</strong> para aumentar seu poder de ganho, ou uma mãe alugava seu bebê recém-nascido<br />

para um mendigo que colocava gotas nos olhos dele para torná-los vermelhos e fazer com que lacrimejassem.<br />

Enquanto eu an<strong>da</strong>va pelas calça<strong>da</strong>s, apertando forte as mãos de meus pais, os mendigos mostravam aquelas crianças<br />

esqueléticas, de olhos lacrimosos, e pediam esmolas.<br />

Eu ficava boquiaberto, porque nosso povoado nas montanhas não tinha na<strong>da</strong> que se comparasse àquelas cenas. Na<br />

Índia, porém, elas formavam parte <strong>da</strong> paisagem urbana, e a filosofia do carma 1 ensinava as pessoas a aceitarem o<br />

sofrimento <strong>da</strong> mesma maneira que o tempo, como parte inevitável do destino.<br />

Durante uma festa, os povoados locais frequentemente recebiam a visita de um dos impressionantes faquires, que<br />

parecia desafiar to<strong>da</strong>s as leis <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Vi um homem traspassar a lâmina fina de um estilete pela face, língua e a<br />

outra face, depois retirar a lâmina sem qualquer sinal de sangue. Outro enfiou urna faca de lado no pescoço de seu<br />

filho e eu fiquei com urticária ao ver a ponta aparecer do outro lado. A criança se manteve imóvel e nem sequer<br />

piscou.<br />

An<strong>da</strong>r sobre brasas era uma coisa simples para um bom faquir. Vi certa vez um deles pendurado como uma<br />

aranha, bem alto no ar, suspenso em um cabo por ganchos enfiados nas dobras <strong>da</strong> pele em suas costas. Enquanto a<br />

multidão fazia gestos e gritava, ele flutuava acima dela, sorridente e sereno. Outro faquir, usando o que parecia<br />

uma saia feita de pequenos balões, <strong>da</strong>nçava entre a multidão em pernas de pau. Ao chegar mais perto, vi que seu<br />

peito estava coberto com dúzias de limões presos à pele por pequenos espetos. Quando ele pulava para cima e<br />

para baixo nas pernas de pau, os limões batiam ritma<strong>da</strong>mente contra o seu peito.<br />

Os nativos acreditavam que os faquires recebiam poderes dos deuses hindus. Meu pai rejeitava isso:<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 15

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!