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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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disenteria e febres tropicais — tudo isso exigia uma certa a<strong>da</strong>ptação, mas as dificul<strong>da</strong>des eram mais que<br />

compensa<strong>da</strong>s pela pura emoção de exercer a medicina. Os indianos não iam ao médico queixar-se de um nariz escorrendo<br />

ou garganta inflama<strong>da</strong>, eles só iam ao hospital quando necessitavam de atenção médica urgente. Eu me<br />

sentia como um detetive forense. Na Inglaterra, se um paciente se apresentasse com uma úlcera, tratávamos a<br />

úlcera. Na Índia cuidávamos <strong>da</strong> úlcera e também fazíamos exames para ancilostomose, malária, desnutrição e<br />

vários outros males. Fiquei surpreso com a coragem dos pacientes indianos e sua atitude calma com relação ao<br />

sofrimento. Mesmo depois de sentados por horas numa sala de espera cheia, eles não se queixavam. Para aquelas<br />

pessoas, a <strong>dor</strong> fazia parte do cenário <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e não podia ser evita<strong>da</strong> de modo algum. A filosofia budista amortecia<br />

qualquer sentimento de injustiça sobre a <strong>dor</strong>; ela tinha simplesmente de ser suporta<strong>da</strong>.<br />

Às vezes eu pensava com sau<strong>da</strong>de no clima controlado, nas salas de cirurgia e laboratórios de última geração do<br />

Hospital do University College, em Londres. Mas o meu envolvimento com os pacientes individuais e a liber<strong>da</strong>de<br />

que sentia para praticar meu chamado facilmente compensavam qualquer sentimento de per<strong>da</strong>. Eu nunca me<br />

sentira tão desafiado e realizado. Algumas pessoas consideram os médicos expatriados nos países do Terceiro<br />

Mundo como heróis auto-sacrificados. Mas eu sei que não é assim. A maioria está aproveitando a vi<strong>da</strong> ao<br />

máximo. Conheço muitos médicos no ocidente que passam metade de seu tempo enchendo fichas de seguro,<br />

lutando com programas de saúde governamentais, escolhendo sistemas de computação para gravar registros, fazendo<br />

seguro contra tratamento inadequado de pacientes, ouvindo representantes de laboratórios. Prefiro a Índia a<br />

tudo isso.<br />

UM CAMINHO MAIS LENTO E MAIS SÁBIO<br />

"No meu primeiro ano em Vellore, servi como cimigião-geral, tratando quem quer que aparecesse na porta. Eu era<br />

jovem, ansioso e eufórico com a aventura <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira medicina. No início do meu segundo ano, comecei a<br />

especializar-me em ortopedia, ain<strong>da</strong> sem uma noção exata de qual viria a ser o trabalho de minha vi<strong>da</strong>. A<br />

princípio, como qualquer cirurgião novo, simplesmente pratiquei o que havia aprendido no treinamento. Com o<br />

tempo, entretanto, descobri que a Índia estava me ensinando novas abor<strong>da</strong>gens de tratamento. Minha lembrança<br />

favorita <strong>da</strong>queles dias está relaciona<strong>da</strong> ao tratamento de pés tortos, ou talipes equinovarus. A condição, uma<br />

deformi<strong>da</strong>de genética, faz o pé girar, virando-se para dentro. No Hospital Great Ormond Street, em Londres, eu<br />

vira muitos casos de pés tortos porque meu chefe, Denis Browne, era um especialista internacionalmente<br />

conhecido nesse campo. (Uma tala para pé torto ain<strong>da</strong> conserva o nome de Denis Browne.) Lembro-me de<br />

observar com olhos interessados de estu<strong>da</strong>nte enquanto ele, um homenzarrão, massageava o pé diminuto de uma<br />

criança com mãos tão grandes que seu polegar cobria a planta do pé de um recém-nascido. Com grande habili<strong>da</strong>de<br />

ele manipulava cirúrgicamente aqueles pés, forçando-os à posição adequa<strong>da</strong> e prendendo-os com fita adesiva em<br />

uma tala rígi<strong>da</strong>. Ele insistia na correção completa na primeira manipulação e conseguia. As vezes eu ouvia o som<br />

de ligamentos quebrados enquanto ele forçava o pé à sua nova posição.<br />

Fui designado para a clínica de acompanhamento onde as talas eram troca<strong>da</strong>s, e naquela clínica comecei a ver<br />

pacientes que voltavam anos depois com problemas que exigiam sapatos especiais e cirurgia corretiva. Nunca<br />

deixei de admirar Denis Browne, um autêntico gênio <strong>da</strong> medicina, mas, não obstante, temo que ele não tenha<br />

apreciado plenamente o <strong>da</strong>no feito a um membro pelas cicatrizes resultantes de uma pressão coerciva. Os pés<br />

corrigidos por ele tinham uma bela forma, mas sem flexibili<strong>da</strong>de e com muita rigidez devido aos vários tecidos<br />

dilacerados.<br />

Logo depois de chegar à Índia, abri uma clínica de pés no hospital Vellore e quase fui pisoteado. As notícias do<br />

nosso projeto se espalharam e antes que tivéssemos o pessoal adequado, nos vimos recebendo mais pacientes do<br />

que podíamos cui<strong>da</strong>r. Olhando para o pátio, vi pessoas de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des apoia<strong>da</strong>s em muletas e se arrastando<br />

penosamente. Ao observar aquela multidão, senti-me confuso e incapaz.<br />

Procurei sintomas familiares e logo os descobri na forma de pés tortos. Uma porção de mães aflitas tinha levado<br />

seus filhos pequenos afligidos pela doença. Estabelecemos uma clínica especial só para aquelas criancinhas e<br />

treinei o pessoal do Vellore na rotina familiar de cirurgia e suporte forçado com tala que aprendera com Denis<br />

Browne. Compramos um grande fragmento de um avião acidentado na Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e um ferreiro<br />

local cortou o metal e preparou pequenos suportes para nosso uso. Enquanto isso comecei também a tratar os<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 53

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