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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Observei enquanto o menino colocava o almoço numa folha de bananeira. Sentado no chão, com as pernas<br />

ossu<strong>da</strong>s cruza<strong>da</strong>s à altura dos tornozelos, o pai comeu arroz, picles, curry e coalho enquanto o filho ficava a seu<br />

lado pronto para reabastecer a comi<strong>da</strong> sobre a folha. Ao terminar, o barbeiro deu um arroto alto, um sinal<br />

costumeiro de satisfaça<br />

— Suponho que seu filho também vai ser barbeiro — disse eu, ao ver a maneira reverente como o menino tratava<br />

o pai.<br />

— Vai sim! — o barbeiro afirmou orgulhosamente. — Espero ter duas cadeiras então. Podemos trabalhar juntos<br />

até que eu me aposente, e depois o salão será dele.<br />

Enquanto o menino arrumava as coisas, o pai começou a trabalhar no meu cabelo. Às vezes senti como se os<br />

corta<strong>dor</strong>es antigos estivessem puxando ca<strong>da</strong> fio de cabelo pela raiz, mas no final <strong>da</strong>s contas o corte ficou ótimo.<br />

Ao terminar ele pediu o pagamento: uma rupia, o equivalente a um décimo de dólar. Olhei no espelho,<br />

comparando favoravelmente aquele corte de cabelo com o último, e não pude deixar de comparar também os dois<br />

barbeiros. De algum modo o que recebeu cinquenta vezes menos do que o outro parecia ser mais feliz.<br />

Sou grato pelo tempo que passei na Índia. Através de pessoas como o barbeiro em Vellore, aprendi que o<br />

contentamento é um estado interior, uma ver<strong>da</strong>de que se perde facilmente na dissonância <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> de alta<br />

pressão no ocidente. Aqui, somos constantemente levados a crer que o contentamento vem de fora e só pode ser<br />

mantido se comprarmos apenas mais um produto.<br />

Encontrei contentamento profundo em pessoas que viviam em condições de pobreza que nós do ocidente<br />

consideraríamos com pie<strong>da</strong>de ou horror. Qual o segredo delas? Muitas vezes faço a mim mesmo essa pergunta.<br />

As expectativas respondem por parte <strong>da</strong> diferença. O sistema hindu de casta, abolido formalmente na Índia logo<br />

depois que mudei para lá, havia influenciado bastante o barbeiro de Vellore ao diminuir suas expectativas em<br />

relação à necessi<strong>da</strong>de de progredir. Seu pai fora barbeiro e seu avô também antes dele, agora criava o filho para<br />

considerar a carreira de barbeiro como o supra-sumo <strong>da</strong> ambição. Nos Estados Unidos, a criança cresce sob o mito<br />

"<strong>da</strong> cabana de troncos para a Casa Branca" e sente-se incessantemente pressiona<strong>da</strong> a subir ca<strong>da</strong> vez mais alto.<br />

Embora o barbeiro de Los Angeles tivesse alcançado um certo nível de riqueza, bem acima de qualquer coisa com<br />

que o de Vellore pudesse sonhar, ele vivia numa socie<strong>da</strong>de de competição e mobili<strong>da</strong>de ascendente abasteci<strong>da</strong><br />

pelo motor do descontentamento. A medi<strong>da</strong> que seu padrão de vi<strong>da</strong> crescia, aumentavam também as suas<br />

expectativas. 1 Não há dúvi<strong>da</strong>s de que o barbeiro de Vellore morava numa cabana de paredes de barro e possuía<br />

simplesmente duas ou três peças de mobília — porém todos os seus vizinhos estavam na mesma situação.<br />

Enquanto tivesse um tapete para <strong>dor</strong>mir e um chão limpo onde colocar sua folha de bananeira, sentia-se satisfeito.<br />

Numa socie<strong>da</strong>de consumista, as expectativas não ousam estabilizar-se, porque uma economia crescente depende<br />

de expectativas em ascensão. Aprecio as contribuições feitas pelas socie<strong>da</strong>des de consumo que se esforçam para<br />

aperfeiçoar ca<strong>da</strong> vez mais os produtos. Na medicina confio nesses produtos todos os dias. Creio, porém, <strong>da</strong><br />

mesma forma, que nós do ocidente temos algo a aprender do oriente sobre a ver<strong>da</strong>deira natureza do<br />

contentamento. Quanto mais permitimos que nosso nível de satisfação seja determinado por fatores externos —<br />

carro novo, roupas na mo<strong>da</strong>, carreira prestigiosa, posição social — tanto mais renunciamos ao controle sobre a<br />

nossa felici<strong>da</strong>de.<br />

Tendo vivido em condições tanto de pobreza como de abundância, posso comparar as duas. Nas Kolli Malai de<br />

minha infância, vivíamos com muito mais simplici<strong>da</strong>de do que as pessoas mais pobres nos Estados Unidos hoje.<br />

O bazar no povoado mais próximo ficava a oito quilômetros de distância (a pé); a estra<strong>da</strong> de ferro mais próxima,<br />

a sessenta quilômetros. Embora não tivéssemos eletrici<strong>da</strong>de, as lâmpa<strong>da</strong>s de óleo iluminavam bem, e cinco galões<br />

de óleo por semana eram suficientes para a família inteira. Enquanto crescia, eu não tinha água corrente ou<br />

televisão, apenas poucos livros e só um brinquedo manufaturado de que posso me lembrar. To<strong>da</strong>via, nem por um<br />

momento senti-me destituído. Pelo contrário, os dias corriam depressa demais para tudo o que eu queria fazer.<br />

Fabricava meus próprios brinquedos com pe<strong>da</strong>ços de madeira ou de pedra. Não aprendi sobre o mundo assistindo<br />

a documentários na televisão sobre a natureza, mas observando em primeira mão maravilhas, como a formiga-<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 179

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