A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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— Não, na ver<strong>da</strong>de não — respondeu Benoit. — Gostei muito. Estava ouvindo o meu corpo. Desde o início, meu<br />
corpo falou comigo, contando-me os limites que poderia suportar. Foi uma espécie de êxtase.<br />
Joan Benoit teria sabido, sem dúvi<strong>da</strong>, caso os tendões de suas pernas ou os órgãos de seu sistema cardiovascular<br />
estivessem realmente em perigo. Ao aprender a ouvir a sua <strong>dor</strong>, ela sabia a diferença entre o estresse normal e os<br />
sinais urgentes de alarme.<br />
Aplaudo os esforços para envolver crianças em esportes organizados, principalmente porque uma socie<strong>da</strong>de<br />
orienta<strong>da</strong> para o conforto oferece poucos lugares onde aprender a linguagem <strong>da</strong> <strong>dor</strong> descrita por Joan Benoit.<br />
Admito ter conceitos bem pouco convencionais sobre a criação de filhos, desenvolvidos parcialmente como uma<br />
reação a essa deficiência na socie<strong>da</strong>de moderna. Por exemplo, recomendo sinceramente pés descalços para<br />
crianças pequenas. O tecido vivo se a<strong>da</strong>pta às superfícies às quais é exposto, e correr descalço é um excelente<br />
meio para estimular os nervos e a pele. Ele treina a criança a ouvir as várias mensagens recebi<strong>da</strong>s ao correr pela<br />
grama, areia e asfalto. Uma pedra ocasional pode ferir a pele, mas esta se a<strong>da</strong>pta, e as mensagens mistas dos pés<br />
descalços fornecem muito mais conhecimento sobre o mundo do que as mensagens neutras do sapato de couro.<br />
(Um benefício adicional é que os pés descalços se espalham para distribuir o estresse, enquanto muitos sapatos<br />
apertam os dedos e deformam os pés.)<br />
Para mim, as técnicas modernas de criação de filhos parecem comunicar como não li<strong>da</strong>r com a <strong>dor</strong>. Os pais<br />
envolvem os bebês em mantas acolchoa<strong>da</strong>s e roupas macias, mas este planeta inclui também muitas texturas<br />
ásperas. Pergunto-me se, quando as crianças se tornam mais móveis, não seria melhor substituir os cobertores de<br />
bebê e os acolchoados <strong>da</strong> cama por um material mais rústico, como esteiras feitas de casca de coco. Quando as<br />
crianças em crescimento necessitam de estímulos táteis para o desenvolvimento normal, nós as cercamos de<br />
sensações neutras. Para complicar as coisas, os pais modernos enchem de carinhos o filho ou a filha que sofre<br />
qualquer leve desconforto. Subliminar ou abertamente, estão transmitindo a mensagem: "A <strong>dor</strong> é má". Devemos<br />
surpreender-nos de que essas crianças se tornem adultos que fogem com medo de to<strong>da</strong> e qualquer <strong>dor</strong> ou<br />
permitem que ela os domine, ou, pelo menos, compartilhem os mínimos detalhes de ca<strong>da</strong> <strong>dor</strong> e sofrimento com<br />
quem estiver por perto?<br />
Como mencionei antes, estudos de vários grupos étnicos indicam que a reação à <strong>dor</strong> é em grande parte aprendi<strong>da</strong>.<br />
A antiga Esparta treinava seus filhos a preparar-se para a <strong>dor</strong>. A socie<strong>da</strong>de moderna pode ter alcançado o outro<br />
extremo: nossa habili<strong>da</strong>de em silenciar a <strong>dor</strong> nos trouxe uma espécie de atrofia cultural em nossa capaci<strong>da</strong>de de<br />
li<strong>da</strong>r com ela. Descubro alguns sinais encoraja<strong>dor</strong>es na geração mais jovem, como o gosto pelas competições<br />
aeróbicas e o triatlo, e o surgimento de programas de treinamento intensivo. Um corpo ativo que busca desafios e<br />
chega aos limites do suportável está mais bem equipado para li<strong>da</strong>r com a <strong>dor</strong> inespera<strong>da</strong> quando ela ocorre — e<br />
sempre ocorrerá. O único meio de vencer a <strong>dor</strong> é ensinar os indivíduos a se prepararem antecipa<strong>da</strong>mente para ela.<br />
DOMÍNIO PRÓPRIO<br />
Lembro-me <strong>da</strong> minha primeira aspirina. Nunca tomei analgésicos quando criança porque minha mãe, uma<br />
homeopata dedica<strong>da</strong>, se opunha a tratar os sintomas, preferindo confiar na habili<strong>da</strong>de do corpo para curar a si<br />
mesmo. Quando fui estu<strong>da</strong>r na Inglaterra aos nove anos, fiquei com minha avó e duas tias solteiras que compartilhavam<br />
as crenças de minha mãe na homeopatia.<br />
Aos doze anos, ain<strong>da</strong> na Inglaterra, caí vítima <strong>da</strong> gripe. Minha febre subiu muito e senti como se alguém tivesse<br />
espancado todo o meu corpo. Mal conseguia <strong>dor</strong>mir por causa <strong>da</strong> <strong>dor</strong> de cabeça e precisava de repouso. Meus<br />
lamentos e gemidos devem ter alarmado minhas tias porque chamaram um médico, Vincent, um primo em<br />
primeiro grau.<br />
Mesmo em meu estado febril, pude ouvir trechos do debate sussurrado no corre<strong>dor</strong> fora de meu quarto.<br />
— A febre é uma parte normal <strong>da</strong> gripe. Ela tem o seu ciclo. Por que não dão aspirina a ele?<br />
— Aspirina? Ah, não sei. Ele nunca tomou isso.<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 142