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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Minha sugestão final de preparação para a <strong>dor</strong>, ao contrário de outros, não depende principalmente do indivíduo.<br />

Justamente o oposto, A melhor coisa que posso fazer para preparar-me para a <strong>dor</strong> é estar rodeado por uma<br />

comuni<strong>da</strong>de amorosa que ficará ao meu lado quando a tragédia atacar. Esse fato, concluí, justifica em grande<br />

medi<strong>da</strong> a capaci<strong>da</strong>de dos indianos de li<strong>da</strong>r com o sofrimento.<br />

Em vista do amplo e firme sistema familiar, o indiano raramente enfrenta sozinho o sofrimento. Quando morava<br />

em Vellore, vi muitos exemplos notáveis <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de em ação. Um homem com tuberculose na espinha<br />

viajava 1100 quilômetros de Bombaim para tratamento, acompanhado <strong>da</strong> esposa. Se o primo em segundo grau do<br />

tio-avô <strong>da</strong> esposa morasse nas proximi<strong>da</strong>des, esse homem não tinha com que se preocupar. A família do primo<br />

visitava o hospital todos os dias e supria o doente de refeições quentes; a mulher do paciente <strong>dor</strong>mia num tapete<br />

sob a cama dele e ficava a seu lado para servi-lo. Os pacientes que sofriam muito tinham quase sempre um<br />

membro <strong>da</strong> família por perto para segurar-lhe a mão, molhar os lábios secos, falar palavras doces em seu ouvido.<br />

Não tive meios de medir o impacto <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de sobre o alívio <strong>da</strong> <strong>dor</strong>, mas sei que numa terra onde o<br />

suprimento de remédios para aliviar a <strong>dor</strong> é tão pequeno e onde não há cui<strong>da</strong>dos universais de saúde, os pacientes<br />

aprenderam a depender de suas famílias com confiança e segurança. Eu certamente vi mais <strong>dor</strong>, mas menos medo<br />

<strong>da</strong> <strong>dor</strong> e do sofrimento, na Índia do que no ocidente. Os pacientes tinham em geral menos ansie<strong>da</strong>de quanto ao<br />

futuro. Por exemplo, quando chegou o momento <strong>da</strong> alta do hospital e do tratamento em casa, o homem com<br />

tuberculose na espinha transferiu-se naturalmente para a casa do primo em segundo grau. Como de costume, a<br />

família hospedeira esvaziaria o melhor quarto <strong>da</strong> casa, assumiria to<strong>da</strong>s as responsabili<strong>da</strong>des pelos cui<strong>da</strong>dos diários<br />

e proveria to<strong>da</strong>s as refeições. Eles não pensariam em pagamento, mesmo que o período de recuperação durasse<br />

vários meses.<br />

O sentimento de comuni<strong>da</strong>de estendia-se também às decisões médicas importantes. Tive muitas vezes de tratar<br />

com to<strong>da</strong> a família do paciente, ou com um conselho informal nomeado pela família, para discutir a supervisão<br />

dos cui<strong>da</strong>dos. Esse conselho enviava um representante para resolver comigo to<strong>da</strong>s as questões importantes. Que<br />

perigos o paciente pode esperar? E possível o alívio permanente? O câncer poderá voltar depois <strong>da</strong> cirurgia?<br />

Como a i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong> afetará os riscos? Depois de me interrogar, o representante voltava ao conselho familiar a<br />

fim de refletir sobre esses pontos. Algumas vezes os conselhos chamavam outros membros <strong>da</strong> família para<br />

compartilhar as despesas e as exigências dos cui<strong>da</strong>dos pós-hospitalares. Outras vezes passavam por cima <strong>da</strong>s<br />

minhas recomen<strong>da</strong>ções:<br />

— Obrigado pela sua aju<strong>da</strong>, doutor Brand, mas decidimos contra a cirurgia. Parece claro que nossa tia vai morrer<br />

em breve, e esse tratamento iria onerar a família financeiramente. Vamos levá-la para casa onde podemos cui<strong>da</strong>r<br />

dela até que morra.<br />

Eu não me ressentia desses conselhos familiares, apesar de consumirem tempo. Em geral tomavam decisões<br />

sábias. Os membros mais velhos, que tinham visto muitas pessoas morrerem em suas ci<strong>da</strong>des, trabalhavam as<br />

questões difíceis com compaixão e bom senso. Observei também o impacto desse sistema nos próprios pacientes,<br />

que confiavam no conselho familiar e consideravam a família, e não a tecnologia ou os medicamentos, como seu<br />

principal reservatório de forças. Quando dizíamos a uma paciente que a sua condição era terminal, ela não<br />

desejava permanecer no hospital de alta tecnologia, dopa<strong>da</strong> com morfina. Pelo contrário, queria ir para casa, onde<br />

a família poderia rodeá-la durante os últimos dias de sua vi<strong>da</strong>.<br />

Contrasto essa abor<strong>da</strong>gem com situações que assisti no ocidente, onde os pais idosos enfrentam sozinhos seus<br />

últimos dias. Filhos adultos, espalhados por todo o país, ficam repentinamente sabendo que sua mãe deve fazer<br />

uma opção médica difícil. Eles pegam o primeiro avião para o hospital.<br />

— Oh, doutor, o senhor deve fazer todo o possível para manter minha mãe viva — dizem ao médico cheios de<br />

preocupação. — Não meça despesas. Use tubos de alimentação, de respiração, tudo o que for necessário.<br />

Certifique-se também de que ela receba todos os medicamentos de que precisa para aliviar a <strong>dor</strong>.<br />

A seguir eles voltam para as suas ci<strong>da</strong>des. Se a mãe sobreviver, será provavelmente envia<strong>da</strong> sozinha para uma<br />

casa de repouso.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 145

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