A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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escola de medicina eu ouvira surpreso enquanto Ilingworth Law, especialista em hidráulica, explicava a complexa<br />
engenharia por trás dos movimentos <strong>da</strong> mão. Agora, buscando meios de reparar mãos <strong>da</strong>nifica<strong>da</strong>s, estudei esses<br />
processos com uma crescente sensação de respeito. "Na ausência de qualquer outra prova, o polegar por si só me<br />
convenceria <strong>da</strong> existência de Deus", disse Isaac Newton. Um único movimento de mão pode envolver cerca de<br />
cinquenta músculos trabalhando juntos em sintonia. Ain<strong>da</strong> mais impressionante, os poderosos e delicados<br />
movimentos dos dedos são puramente resultado de força transferi<strong>da</strong>. Não há músculos nos dedos (caso contrário,<br />
eles iriam alargar-se, chegando a um tamanho volumoso e de difícil controle); os tendões transferem força dos<br />
músculos do antebraço.<br />
A abor<strong>da</strong>gem de um mecanismo tão singular como a mão humana nos manuais de cirurgia era espantosamente<br />
vaga. "Fixe o tendão para que ele exerça força modera<strong>da</strong>", diziam eles. Força modera<strong>da</strong>! Eu não podia imaginar<br />
tais imprecisões num conjunto de técnicas para construir uma ponte ou sequer uma garagem. A diferença de uns<br />
poucos gramas de tensão e alguns milímetros de força mecânica poderia determinar se um dedo iria ou não se<br />
mover.<br />
A fim de ganhar experiência cirúrgica, pratiquei na sala de autópsias com pacientes mortos. Tive só algumas<br />
horas para entrar, abrir a mão, testar alguns movimentos do tendão e depois costurar antes de o corpo ser<br />
preparado para o sepultamento. Felizmente, consegui obter a mão de um cadáver para praticar com mais calma.<br />
Depois de negociar com minha esposa a fim de obter espaço precioso, guardei a mão embrulha<strong>da</strong> em papel<br />
laminado em nosso pequeno freezer. (Dei ao cozinheiro ordens estritas para não mexer no pacote, mas duas vezes<br />
ele o retirou do freezer e suspeitosamente inquiriu Margaret: — Senhora, é bacon?) Tentei várias técnicas na mão<br />
do cadáver, transplantando tendões para novos lugares e prendendo-os em ossos diferentes. A dissecação proporcionou-me<br />
experiência valiosa, mas no final a mão do cadáver provou ter uso limitado por faltar-lhe as forças de<br />
equilíbrio de uma mão viva. Eu podia testar um tendão ou um músculo de ca<strong>da</strong> vez, mas não a interação<br />
simultânea dos vários músculos. Tornou-se claro que só a cirurgia real num paciente vivo poderia ensinar-me o<br />
que eu precisava aprender.<br />
Na viagem seguinte a Chingleput, reuni um grupo de pacientes de lepra, pré-selecionados devido ao seu estado<br />
avançado de paralisia. Queria voluntários cujas mãos eu não pudesse piorar.<br />
— Estamos planejando fazer no hospital de Vellore algumas experiências que poderiam possivelmente aju<strong>da</strong>r<br />
uma mão paralisa<strong>da</strong> — disse a eles. — Precisamos de alguns voluntários. Os procedimentos nunca foram testados<br />
e não há qualquer garantia de que vão ter resultado. Vocês deverão ficar no hospital durante um longo período de<br />
tempo, que envolverá diversas cirurgias e um difícil processo de reabilitação. No final podemos descobrir que não<br />
houve nenhuma melhora.<br />
Fiz o processo parecer tão pouco atraente quanto possível, a fim de diminuir as expectativas. Quando pedi<br />
voluntários, para minha surpresa todos os pacientes ficaram de pé. Eu podia escolher à vontade.<br />
Depois de consultar Bob Cochrane, examinei e entrevistei um adolescente hindu chamado Krishnamurthy. Sua<br />
saúde geral parecia boa, mas a lepra devastara suas mãos e pés. Havia grandes feri<strong>da</strong>s na sola dos dois pés,<br />
expondo o osso. Mesmo que não resultasse em mais na<strong>da</strong>, pensei, um período no hospital iria certamente<br />
melhorar essa condição. Os dedos dele, quase do comprimento original, se dobravam para dentro formando uma<br />
garra rígi<strong>da</strong>. O rapaz tinha um movimento forte de preensão, mas não podia abrir os dedos o suficiente para<br />
segurar o que desejava prender com a mão.<br />
Cochrane me contou que Krishnamurthy sabia ler seis idiomas e era um de seus pacientes mais brilhantes. Eu<br />
jamais teria adivinhado. Suas roupas não passavam de farrapos, a cabeça pendia sobre o peito e seus olhos eram<br />
inexpressivos e semi-opacos. Krishnamurthy falava num choramingo experiente de mendigo e respondia quase<br />
to<strong>da</strong>s as minhas perguntas em monossílabos. O garoto parecia principalmente interessado numa viagem grátis<br />
para fora do sanatório. Insisti com ele que sua mão exigiria provavelmente várias operações diferentes e que não<br />
podíamos garantir na<strong>da</strong>. Encolheu os ombros e fez um gesto casual, colocando o lado de uma <strong>da</strong>s mãos sobre o<br />
pulso <strong>da</strong> outra, como se dissesse: "Pode cortar se quiser. Não valem na<strong>da</strong> para mim". Levamos Krishnamurthy a<br />
Vellore e o introduzimos clandestinamente em um quarto particular, longe dos outros pacientes.<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 69