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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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também começamos a compreender plenamente o desafio que nos foi primeiro apresentado por John<br />

Krishnamurthy. Tínhamos de mu<strong>da</strong>r radicalmente a nossa abor<strong>da</strong>gem, com a finali<strong>da</strong>de de preparar os pacientes<br />

de lepra para a vi<strong>da</strong> "do lado de fora". Precisávamos levantar nossos olhos do campo limitado <strong>da</strong> cirurgia nas<br />

mãos e pés e enfocar a pessoa inteira.<br />

SOBRANCELHAS<br />

Certo dia, um jovem chamado Kumar veio ao centro apresentando um certificado de que a sua lepra se encontrava<br />

inativa. Eu o examinei rapi<strong>da</strong>mente. Havíamos trabalhado em suas mãos, que agora não mostravam sinais de<br />

garra ou <strong>da</strong>no acidental, e seus pés não tinham sinais de paralisia do nervo.<br />

O corpo de Kumar sempre demonstrara certa resistência natural à doença. Os bacilos <strong>da</strong> lepra seguiram o padrão<br />

típico de primeiro infiltrar-se nas áreas mais frescas de sua face (testa, narinas e ouvidos), chegando até mesmo a<br />

ocultar-se nos folículos dos pêlos em suas sobrancelhas. Durante algum tempo isso tornou sua pele brilhante e<br />

incha<strong>da</strong>. Mas as defesas do corpo, auxilia<strong>da</strong>s pelo tratamento agressivo com sulfona, mataram to<strong>da</strong>s as bactérias, e<br />

a essa altura a pele do rosto de Kumar quase voltara ao normal. Rugas sulcando as áreas dos antigos inchaços<br />

faziam com que ele parecesse levemente mais velho do que seus 25 anos.<br />

Só pude perceber um único sinal remanescente <strong>da</strong> doença, espaços vazios onde as sobrancelhas antes cresciam,<br />

mas isso dificilmente poderia ser notado. Fiquei satisfeito ao ver alguém que lutara com tanto sucesso contra o<br />

mal e congratulei Kumar por cui<strong>da</strong>r de si mesmo.<br />

— Por que você veio? — perguntei, depois de completar meu exame. — Como sabe, nos especializamos em<br />

cirurgia <strong>da</strong>s mãos e dos pés, e os seus parecem ótimos.<br />

Kumar apontou para as sobrancelhas, ou o lugar em que elas costumavam crescer em seu rosto, e me contou sua<br />

história.<br />

Antes de contrair lepra, Kumar cui<strong>da</strong>va de uma banca no mercado de seu povoado. Ele vendia pacotes de betei e<br />

tabaco que embrulhava manualmente com um toque de limão-galego fresco. O povo do lugar gostava de mastigar<br />

essa mistura, chama<strong>da</strong> pan, e urna para<strong>da</strong> na banca de Kumar tornou-se rotina para muitos compra<strong>dor</strong>es. O jovem<br />

trocava pia<strong>da</strong>s e notícias com eles, embrulhando mais pacotes de betei em folhas enquanto conversava.<br />

Os aldeãos são geralmente mais espertos do que os médicos para detectar os primeiros sinais <strong>da</strong> lepra, e quando a<br />

pele de Kumar começou a mostrar um lustro pouco natural, os fregueses espalharam a notícia e as ven<strong>da</strong>s<br />

diminuíram. Em pouco tempo ninguém comprava mais suas merca<strong>dor</strong>ias e poucos paravam para conversar.<br />

Kumar, orgulhoso demais para tornar-se um mendigo, fechou a banca e dirigiu-se a um leprosário próximo.<br />

Quando voltou ao povoado, anos mais tarde, com o certificado de saúde negativo nas mãos, supôs que podia<br />

voltar ao seu comércio. Todos os sinais <strong>da</strong> moléstia haviam desaparecido, exceto a falta de sobrancelhas. Para o<br />

pessoal supersticioso do lugar, porém, esta característica por si só justificava sua rejeição. Mostrar um certificado<br />

não importava. Ele tinha de parecer livre <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong>de. Precisava de sobrancelhas.<br />

— Ninguém compra de um homem sem sobrancelhas — afirmou Kumar tristemente. — Por favor, doutor, pode<br />

fazer umas sobrancelhas para mim? Não suporto ver os fregueses me olharem em busca de pêlos para ver se estou<br />

realmente curado.<br />

Ouvi a história de Kumar tomado por emoções confusas. Embora sua história me comovesse, eu não tinha<br />

qualquer desejo de me envolver com cirurgia cosmética. Tínhamos uma lista de espera para cirurgia corretiva,<br />

muitos com mãos paralisa<strong>da</strong>s que podiam ser corrigi<strong>da</strong>s. Um pedido de novas sobrancelhas parecia quase trivial.<br />

To<strong>da</strong>via, lembrei-me <strong>da</strong> lição que aprendera com John Krish-namurthy. A não ser que pudéssemos encontrar um<br />

meio de restaurar os pacientes a uma vi<strong>da</strong> útil em suas aldeias, criaríamos uma classe permanente de dependentes.<br />

Se a aparência facial era uma barreira à aceitação, tínhamos de encontrar um meio de derrubá-la.<br />

Kumar permaneceu no Centro Nova Vi<strong>da</strong> alguns dias enquanto eu pesquisava técnicas cirúrgicas para uma<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 88

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