A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
leão, o pássaro tece<strong>dor</strong> e a aranha-alçapão.<br />
Contrasto esse ambiente com o que vejo com frequência agora: crianças que no dia do Natal vão de um brinquedo<br />
eletrônico para outro, entedia<strong>da</strong>s com todos em poucas horas. Não quero sugerir que uma socie<strong>da</strong>de seja melhor<br />
do que a outra; aprendi com ambas: oriente e ocidente. Como pai que tentou criar os filhos nos dois ambientes,<br />
porém, estou convicto de que o mundo moderno, com to<strong>da</strong> a sua riqueza, é de fato um lugar mais desafia<strong>dor</strong><br />
quando se trata de encontrar prazer duradouro.<br />
O rei grego Tântalo, como castigo pelo crime de roubar ambrósia dos deuses, foi condenado a um tormento eterno<br />
de fome e sede. A água desaparecia quando ele se abaixava para tomá-la, as árvores levantavam os ramos quando<br />
estendia a mão para apanhar seus frutos. A palavra tantalizar deriva desse mito; como a maioria dos mitos gregos,<br />
ele oferece uma lição que vale a pena ser aprendi<strong>da</strong>. Uma dupla ironia se faz presente: assim como a socie<strong>da</strong>de<br />
que vence a <strong>dor</strong> e o sofrimento parece menos capaz de li<strong>da</strong>r com os remanescentes do sofrimento, a socie<strong>da</strong>de que<br />
persegue o prazer corre o risco de elevar ca<strong>da</strong> vez mais as suas expectativas e, de modo tantálico, o contentamento<br />
fica fora do seu alcance.<br />
REDUTOR DO PRAZER<br />
A tecnologia moderna, ao dominar a arte de controlar a natureza, substituiu uma nova reali<strong>da</strong>de pela reali<strong>da</strong>de<br />
"natural" conheci<strong>da</strong> pela vasta maioria de pessoas que já viveu neste planeta. A água sai <strong>da</strong> torneira a qualquer<br />
hora; dispositivos para controle do clima nos carros e nas casas mantêm a temperatura estável no verão e no<br />
inverno; compramos carne embala<strong>da</strong> em agradáveis supermercados, bem diferentes <strong>da</strong> bagunça dos matadouros;<br />
nas prateleiras do banheiro encontramos remédios para <strong>dor</strong>es de estômago, de cabeça e músculos. Em contraste,<br />
os que vivem mais perto <strong>da</strong> natureza tendem a adquirir uma visão mais equilibra<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que abrange tanto a<br />
<strong>dor</strong> como o prazer. Na Índia cresci em condições severas de calor e frio, fome e bons alimentos, nascimento e<br />
morte. Hoje em dia, vivendo numa socie<strong>da</strong>de tecnologicamente avança<strong>da</strong>, sou tentado a ver todo desconforto<br />
como um problema que precisa ser resolvido.<br />
"Assim como a águia foi morta pela flecha prepara<strong>da</strong> com suas próprias penas, a mão do mundo é feri<strong>da</strong> pela sua<br />
própria capaci<strong>da</strong>de", escreveu Helen Keller. De maneira sutil, a tecnologia nos permite isolar o fenômeno do<br />
prazer de sua fonte "natural" e repeti-lo de um modo que, em última análise, pode vir a ser <strong>da</strong>noso.<br />
O sabor ilustra a diferença entre o prazer "natural" e o "artificial". O pala<strong>da</strong>r distingue apenas quatro categorias —<br />
salgado, amargo, doce e azedo — que agem como medi<strong>da</strong>s para aju<strong>da</strong>r-nos a determinar quais alimentos são bons<br />
para nós. De uma forma notável, o corpo pode ajustar o nível de prazer percebido como um incentivo para<br />
satisfazer uma necessi<strong>da</strong>de especialmente urgente. Certa vez, na Índia, passei por uma severa privação de sal<br />
depois de transpirar o dia inteiro numa sala de cirurgia sem sistema de resfriamento. Tive fortes cãibras<br />
abdominais. Ao suspeitar <strong>da</strong> causa, forcei-me a tomar um copo d'água, na qual misturei duas colheres de chá de<br />
sal. Para minha surpresa, a bebi<strong>da</strong> pareceu-me deliciosa, como um néctar. Minha agu<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de fisiológica<br />
alterou minha percepção, de modo que bebêr a salmoura deu-me realmente intenso prazer.<br />
Em seu estado natural, o corpo conhece as suas necessi<strong>da</strong>des e gradua as suas reações para satisfazê-las. (Por esta<br />
razão, os animais viajam quilômetros em busca de sal.) To<strong>da</strong>via, à medi<strong>da</strong> que os humanos ganharam a habili<strong>da</strong>de<br />
de extrair e isolar os aspectos prazerosos <strong>da</strong> comi<strong>da</strong>, introduziram a possibili<strong>da</strong>de de perturbar o equilíbrio<br />
fisiológico natural. Agora que podemos eficientemente minerar, acumular e depois comercializar o sal, as<br />
socie<strong>da</strong>des ocidentais tendem a consumir demais. Algumas pessoas são obriga<strong>da</strong>s a fazer regimes de baixa<br />
quanti<strong>da</strong>de de sódio para contrabalançar os efeitos negativos.<br />
O mesmo princípio se aplica aos doces, um sabor constantemente agradável. Comemos maçãs, uvas e laranjas<br />
para recompensar nossos órgãos do pala<strong>da</strong>r e simultaneamente recebemos o benefício de suas vitaminas e<br />
nutrientes. O açúcar refinado como tal não existe na natureza, e a habili<strong>da</strong>de de obtê-lo e processá-lo de forma<br />
concentra<strong>da</strong> é uma realização bastante recente. De fato, o mundo industrial não produziu açúcar em massa até o<br />
século XIX; a partir de então o consumo do açúcar aumentou exponencialmente — quase 500 por cento só entre<br />
1860 e 1890 —, abrindo assim uma caixa de Pan<strong>dor</strong>a de problemas médicos.<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 180