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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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— O senhor ain<strong>da</strong> não urinou desde a cirurgia — foi a resposta ríspi<strong>da</strong> dele.<br />

Senti uma pita<strong>da</strong> de culpa.<br />

— Isso é porque não bebi muito líquido! A minha vesícula é que foi tira<strong>da</strong>, não a minha bexiga. Dê-me<br />

alguns minutos.<br />

Ele deixou o quarto. Fui ao banheiro, agarrado à minha parede abdominal feri<strong>da</strong> e com muito esforço produzi<br />

triunfantemente algumas gotas. Foi o meu único momento orgulhoso num dia cinzento em todos os seus aspectos.<br />

Quando uma funcionária do laboratório entrou pela segun<strong>da</strong> vez em uma hora para coletar uma amostra de sangue<br />

de minha veia, lembrei-a timi<strong>da</strong>mente de que já fizera isso. Ela franziu a testa e disse com ar de superiori<strong>da</strong>de:<br />

— E ver<strong>da</strong>de, mas o sangue coagulou. A amostra não serviu.<br />

Eu quase pedi desculpas pelo meu sangue defeituoso.<br />

Meu corpo estava produzindo uma série impressionante de <strong>da</strong>dos eletrônicos para o laboratório, mas todos ocultos<br />

aos meus olhos. Sem dúvi<strong>da</strong> por saberem que os médicos tendem a ser pacientes intrometidos, os funcionários do<br />

hospital mantinham uma conspiração ininterrupta de silêncio ao meu re<strong>dor</strong>. O radiologista, por exemplo, levantou<br />

minha radiografia para examiná-la melhor, depois olhou para mim, balançou sombriamente a cabeça e saiu para<br />

consultar meu cirurgião.<br />

A responsabili<strong>da</strong>de pelos meus intestinos pertencia a uma pessoa, meu sangue a outra, e minha mente a outra<br />

ain<strong>da</strong>: a enfermeira encarrega<strong>da</strong> de medicar a minha <strong>dor</strong>. Acabei conhecendo-a bem, pois me mantinha<br />

constantemente alerta à <strong>dor</strong>. Não tinha caminhos de cascalho para percorrer, relatórios de pesquisa para estu<strong>da</strong>r,<br />

sistemas estereofônicos para tocar músicas suaves. Estava completamente sozinho com a minha <strong>dor</strong>. No silêncio,<br />

podia sentir a ferroa<strong>da</strong> <strong>da</strong> injeção mais recente e até a pressão do adesivo sobre a minha pele. Senti a tentação<br />

irresistível de tocar a campainha e pedir mais remédio.<br />

A palavra hospital vem do termo latino para "hóspede", mas em alguns hospitais modernos "vítima" parece ser o<br />

mais adequado. Apesar de meus antecedentes médicos, senti-me impotente, inadequado e passivo. Tive a<br />

impressão esmaga<strong>dor</strong>a de estar reduzido a uma peça numa engrenagem e que funcionava mal, para falar a<br />

ver<strong>da</strong>de. Todo som que penetrava do corre<strong>dor</strong> ligava-se de alguma forma à minha situação. Um carrinho que<br />

passava — eles devem estar vindo buscar-me. Um resmungo perto <strong>da</strong> porta — Oh não, eles encontraram algo.<br />

Num estudo conduzido na Ilha de Wight, perto <strong>da</strong> costa <strong>da</strong> Inglaterra, os pesquisa<strong>dor</strong>es descobriram que os<br />

pacientes de vesícula biliar que podiam ver um grupo de árvores pelas janelas do hospital ficavam menos dias<br />

internados depois <strong>da</strong> operação e tomavam menos analgésicos do que aqueles que olhavam para uma parede vazia.<br />

O relatório deles tinha o título "A Visão de Uma Janela Pode Influenciar a Recuperação <strong>da</strong> Cirurgia". Saí <strong>da</strong><br />

minha cirurgia de vesícula certo de que muito mais do que uma vista influencia a recuperação.<br />

Uso o termo "intensifica<strong>dor</strong>es <strong>da</strong> <strong>dor</strong>" para reações que aumentam a percepção <strong>da</strong> <strong>dor</strong> na mente consciente. São<br />

exatamente aquelas com as quais lutei em meu quarto de hospital. Esses intensifica<strong>dor</strong>es — medo, ira, culpa,<br />

solidão, impotência — podem ter mais impacto na experiência total <strong>da</strong> <strong>dor</strong> do que qualquer remédio que eu possa<br />

tomar. De algum modo, nós médicos devemos encontrar meios de aumentar e não de desprezar a contribuição do<br />

paciente.<br />

MEDO<br />

A dra. Diane Komp, uma oncologista que trabalha com crianças, começou a atender nas casas depois de<br />

compreender plenamente a importância do ambiente para os pacientes jovens. "Visitei em suas casas crianças que<br />

sentiam <strong>dor</strong> física", escreveu ela, "mas nunca vi uma criança ter medo em sua própria casa. Ah, eu era a hóspede,<br />

e elas claramente as anfitriãs. As crianças relatavam corretamente sua condição médica nesse ambiente, por se<br />

sentirem no controle." Compreendi melhor meus sentimentos no hospital quando um amigo mostrou-me um livro<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 160

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