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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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senti alguma razão por trás do mistério <strong>da</strong> paralisia induzi<strong>da</strong> pela lepra. Havia afinal de contas um padrão: um<br />

nervo branco fino distendendo-se ao aproximar-se do cotovelo, depois voltando ao tamanho normal enquanto<br />

mergulhava fundo entre os músculos do antebraço, inchando outra vez em seu curso ao re<strong>dor</strong> do pulso e afinando<br />

levemente no túnel carpal que levava à mão. O mesmo padrão se aplicava na perna: ca<strong>da</strong> vez que um nervo se<br />

aproximava <strong>da</strong> superfície, ele inchava e sempre que ficava sobre as fibras musculares, voltava ao normal.<br />

A dra. Buultgens e eu especulamos em voz alta sobre o que poderia causar o inchaço. — E possível que os nervos<br />

próximos <strong>da</strong> superfície sejam mais sujeitos a <strong>da</strong>nos por causa de impacto — sugeriu ela.<br />

Em todo caso, o vislumbre <strong>da</strong>quele padrão geral esclareceu um mistério permanente: os músculos controlados por<br />

nervos localizados bem fundo no tecido do corpo não pareciam correr riscos. Até mesmo em um velho corroído<br />

pela lepra, aqueles músculos permaneciam com um vermelho rico e saudável. Em contraste, os músculos<br />

controlados por feixes de nervos que passavam perto <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> pele eram rosa-pálido e contraídos pela<br />

atrofia. A presença de músculos sadios em um homem em tão avançado estado de infecção confirmou minha ideia<br />

de que a doença sempre deixava certos músculos não-afetados. Eu podia, agora, identificar músculos do antebraço<br />

para uso na cirurgia reconstrutora — possivelmente transferi-los para substituir os músculos paralisados — sem<br />

medo de que viessem a paralisar mais tarde. Tínhamos uma diretriz simples para selecionar músculos "bons":<br />

escolher músculos cujos nervos motores não estivessem próximos <strong>da</strong> superfície de um membro.<br />

Senti uma nova infusão de energia e entusiasmo. Tirei fotografias dos nervos longos expostos e removemos mais<br />

segmentos para estudo posterior. Essas amostras iriam conter nossa melhor pista para entender como a doença<br />

destruía os nervos. Eu tinha a vaga sensação de que acabávamos de tropeçar num segredo médico de grande<br />

importância. Mas qual seria?<br />

Depois <strong>da</strong> autópsia, os patologistas de Vellore iniciaram a árdua tarefa de examinar grupos representativos de<br />

nossas amostras, observando o que Hansen chamara de "filhotes de rã" [frog spawn], massas de nódulos de lepra,<br />

para achar os pequeninos bacilos em forma de bastonetes, manchados de vermelho pelos nossos reagentes<br />

químicos. Anos se passariam antes que desven<strong>da</strong>ssemos todo o mistério, mas iríamos eventualmente aprender que<br />

a predileção <strong>da</strong> lepra pelos joelhos, pulsos, maçãs do rosto e queixos não tinha na<strong>da</strong> a ver com <strong>da</strong>nos por impacto<br />

ou qualquer outra conjectura que havíamos feito naquela noite na cabana <strong>da</strong> morte. A solução, quando surgiu, era<br />

simples: a fim de multiplicar-se, os bacilos <strong>da</strong> lepra preferem as temperaturas mais frescas, que prevalecem perto<br />

<strong>da</strong> superfície (isto explica também por que eles buscam refugio nos testículos, lobos <strong>da</strong> orelha, olhos e passagens<br />

nasais).<br />

A medi<strong>da</strong> que os bacilos <strong>da</strong> lepra migram para os nervos nas regiões mais frias, tais como ao re<strong>dor</strong> <strong>da</strong>s juntas, o<br />

sistema de imunização do corpo envia pelotões de macrófagos e linfócitos que enxameiam, inchando dentro <strong>da</strong><br />

bainha de isolamento do nervo e sufocando a nutrição vital. Os inchaços que contemplamos à luz <strong>da</strong> lanterna<br />

naquela noite eram de fato evidência <strong>da</strong> reação defensiva do corpo a uma invasão.<br />

Não conseguimos apreciar inteiramente o que havíamos descoberto naquele sufocante necrotério improvisado em<br />

Chingleput. Se tivéssemos feito isso, talvez o fizéssemos com algum ato dramático. (Pitágoras, ao provar um<br />

teorema, sacrificou cem bois aos deuses que lhe enviaram a ideia!) Em vez disso, costuramos o cadáver, nos<br />

arrastamos para a casa de Bob Cochraue para o café e tomamos emprestado um carro para voltar a Vellore,<br />

passando pelos restos do nosso jipe incendiado no caminho.<br />

Notas<br />

1 Hansen fracassou de maneira similar nas suas tentativas de transmitir o bacilo. Quando não teve êxito com coelhos, experimentou num<br />

ser humano, injetando germes de lepra na córnea do olho de uma paciente. A mulher não contraiu a doença, mas sentiu <strong>dor</strong> com a injeção<br />

e o denunciou às autori<strong>da</strong>des. Por esta quebra de ética, Hansen foi impedido de atender nos hospitais noruegueses<br />

pelo resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

2 Chalmugra: designação comum a várias plantas, especialmente do gênero Hydrocarpus, de cujas sementes se extrai óleo, outrora usado<br />

no tratamento <strong>da</strong> lepra e de dermatoses (chalmogra, caulmoogra). (N. doT.)<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 65

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