A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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O cirurgião não nasce lambuzado com compaixão,<br />
como se fosse uma secreção resultante do seu nascimento.<br />
Ela só chega bem mais tarde.<br />
Não se trata de uma virtude recebi<strong>da</strong> <strong>da</strong> graça, mas do<br />
murmurar cumulativo <strong>da</strong>s incontáveis feri<strong>da</strong>s que tratou, <strong>da</strong>s<br />
incisões que fez, <strong>da</strong>s chagas, úlceras e cavi<strong>da</strong>des que tocou a fim<br />
de curar. No início ela é quase inaudível, um sussurro, como se<br />
saído de muitas bocas. Aos poucos se concentra, vindo <strong>da</strong> carne<br />
até que, finalmente, passa a ser um chamado real.<br />
RICHARD SELZER, MORTAL LESSONS<br />
3 Despertamentos<br />
Se alguém dissesse durante meu período escolar na Inglaterra que o trabalho <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> iria concentrar-se na<br />
pesquisa clínica sobre a <strong>dor</strong>, eu teria rido muito. A <strong>dor</strong> era algo a ser evitado, e não pesquisado. Não obstante,<br />
acabei na área de medicina e devo explicar como cheguei lá.<br />
Fui um péssimo aluno. Algumas vezes, quando o professor estava de costas, eu me esgueirava por uma janela,<br />
subia no telhado e escorregava pelo cano para fugir <strong>da</strong> escola. Enquanto meus colegas enchiam a cabeça de<br />
conhecimentos abstratos, eu ansiava pelo mundo natural que conhecera nas montanhas Kolli. Tornei a Londres<br />
urbana mais tolerável criando pássaros canoros e ratos no porão de nossa proprie<strong>da</strong>de rural e construindo um<br />
observatório telescópico rústico em nosso telhado. A visão noturna oferecia-me um elo tênue com as Kolli, onde<br />
muitas vezes eu havia me maravilhado com um céu azul-profundo, não desfigurado pela névoa ou pelas luzes <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de, e ouvia meu pai explicar os mistérios do universo. A nostalgia geralmente se transformava em sau<strong>da</strong>des<br />
de casa — na Inglaterra até as estrelas pareciam desloca<strong>da</strong>s.<br />
Ao diplomar-me na escola pública inglesa, aos dezesseis anos, rejeitei a ideia de passar mais quatro ou seis anos<br />
numa sala de aula sufocante <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de. Decidi entrar no ramo <strong>da</strong> construção, a fim de cumprir o desejo<br />
original de meu pai de construir casas nas montanhas Kolli. Nos cinco anos que se seguiram, aprendi carpintaria,<br />
arquitetura, cobertura de telhados, assentamento de tijolos, encanamento, eletrici<strong>da</strong>de e o ofício de pedreiro.<br />
O trabalho com pedras era o meu favorito. Senti uma felici<strong>da</strong>de que não conhecera desde a Índia, onde quando<br />
criança me sentava perto de uma pedreira e observava os corta<strong>dor</strong>es de pedras realizarem mágicas com<br />
ferramentas que já eram utiliza<strong>da</strong>s havia três milênios. Comecei com o arenito, progredi para o granito e terminei<br />
meu aprendizado trabalhando com mármore. O mármore dá pouca margem para erros: um golpe errado do<br />
martelo cria um "stun", um gânglio de pequenas rachaduras que penetram no bloco e destroem sua lin<strong>da</strong><br />
transparência. Durante as férias eu visitava as grandes catedrais inglesas e corria as mãos sobre a textura ondula<strong>da</strong><br />
dos pilares e arcos de pedra, cheio de respeito pela compreensão de que ca<strong>da</strong> pequenina aresta marcava o levantar<br />
e abaixar <strong>da</strong> marreta de madeira de um pedreiro medieval.<br />
Em minha última tarefa depois de cinco anos, ajudei a inspecionar a construção de um prédio de escritórios <strong>da</strong><br />
Ford Motor Company, que naquela época se aventurava na Inglaterra. Eu me distanciara claramente do que<br />
poderia fazer de útil nas montanhas Kolli. Estava na hora de pôr em prática os planos para o exterior. Pela simples<br />
razão de seguir os passos de meu pai, suprimi meus sentimentos contra a medicina e me matriculei no curso de<br />
um ano que ele fizera na escola de medicina do Livingstone College.<br />
ABRINDO OS OLHOS PARA A VIDA<br />
O curso do Livingstone College reuniu 35 estu<strong>da</strong>ntes internacionais, todos comprometidos com carreiras no<br />
exterior.<br />
— Vocês vão aprender a reconhecer sintomas, receitar medicamentos, tratar de feri<strong>da</strong>s e até realizar pequenas<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 21