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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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medicina examinassem minuciosamente seu corpo após a morte; outra muito diferente consistia de seres humanos<br />

pedirem a um cirurgião que abrisse o véu de pele, entrasse e depois explorasse partes de seu corpo que eles<br />

mesmos nunca tinham visto. Sou lembrado desse privilégio, aprendido de um cadáver, ca<strong>da</strong> vez que uso o bisturi<br />

ao longo <strong>da</strong> pele de um paciente vivo. Minha decisão de tornar-me cirurgião, toma<strong>da</strong> alguns anos mais tarde, foi<br />

influencia<strong>da</strong> por outro instrutor, um homem que ocupava o renomado cargo de cirurgião <strong>da</strong> família real inglesa e<br />

cujo nome ilustre era adequado ao seu papel: sir Launcelot Barrington-Ward. Sir Launcelot treinava os alunos<br />

como um sargento instrutor de recrutas, tentando incutir em nós os reflexos necessários nas emergências médicas.<br />

— Qual o instrumento mais útil no caso de sangramento excessivo? — perguntava ele a ca<strong>da</strong> recém-chegado que<br />

o aju<strong>da</strong>va na cirurgia.<br />

O hemostato (fórceps arterial) era no geral a resposta do assistente, orgulhoso por ter respondido rapi<strong>da</strong>mente.<br />

— Não, não, ele é para os vasos pequenos — sir Launcelot rosnava através <strong>da</strong> máscara. — Numa emergência,<br />

o hemostato aplicado muito bruscamente pode causar mais <strong>da</strong>no do que benefício. Pode esmagar nervos, rasgar<br />

vasos, destruir o tecido errado e complicar o processo de cura. Você tem o instrumento perfeito na almofa<strong>da</strong> larga<br />

e macia <strong>da</strong> ponta do seu polegar. Use o polegar!<br />

Alguns dias depois ele fazia a mesma pergunta ao mesmo assistente, só para testar o tempo de reação.<br />

Ain<strong>da</strong> posso ver sir Launcelot do outro lado <strong>da</strong> mesa operatória, completamente tranquilo, com o polegar apoiado<br />

numa abertura na veia cava do paciente. Ele pisca para mim e diz:<br />

— O que acha, senhor Brand, devemos grampeá-la ou suturá-la?<br />

Por meio do exemplo, ele estava ensinando uma <strong>da</strong>s lições mais importantes para um jovem cirurgião: não entre<br />

em pânico.<br />

— Você comete erros quando entra em pânico — dizia ele —, e o sangramento rápido gera pânico, portanto,<br />

não se apresse em usar instrumentos. Utilize o polegar até ter certeza do que fazer, depois aja com cui<strong>da</strong>do e<br />

deliberação. A não ser que possa vencer o instinto do pânico, nunca virá a ser um cirurgião.<br />

Prestei atenção ao aviso de sir Launcelot, mas só quando uma emergência se apresentasse é que eu saberia se<br />

tinha o temperamento adequado para ser um cirurgião. Esse momento chegou mais cedo do que eu esperava.<br />

Estava trabalhando num grande setor público de atendimento a pacientes, tratando de problemas diários: curativos<br />

que precisavam ser trocados, uma criança que empurrara uma ervilha fundo demais no canal auricular. Ao lado<br />

ficava uma salinha de operações, reserva<strong>da</strong> para pequenas cirurgias. De repente, uma enfermeira com o uniforme<br />

manchado de sangue saiu correndo <strong>da</strong>quela sala. Tinha um olhar amedrontado, aflito.<br />

— Venha depressa — chamou-me. Correndo para a porta, vi um interno <strong>da</strong> seção de cirurgia segurando um<br />

chumaço de curativos sobre o pescoço de uma jovem.<br />

O sangue vermelho-escuro havia formado uma poça debaixo dos curativos e estava escorrendo do pescoço <strong>da</strong><br />

mulher para o chão. O interno, branco como um cadáver, deu-me uma explicação apressa<strong>da</strong>:<br />

— Era apenas uma glândula linfática no pescoço. Meu chefe queria que a tirasse para fazer biópsia. Mas<br />

agora não consigo ver na<strong>da</strong> por causa do sangue.<br />

A paciente por sua vez tinha um olhar de terror. Havia comparecido para um procedimento simples com anestesia<br />

local e agora encontrava-se aparentemente sangrando até morrer. Ela estava agita<strong>da</strong> e fazia ruídos gorgolejantes.<br />

Eu havia colocado luvas enquanto o interno falava. Quando levantei os curativos vi uma pequena incisão, menor<br />

que cinco centímetros, com uma ver<strong>da</strong>deira floresta de fórceps projetando-se do corte. A maioria deles fora<br />

aplica<strong>da</strong> às cegas em meio ao sangue escuro que brotava mais abaixo.<br />

— Use o polegar — eu podia ouvir o conselho que sir Launcelot gravara em mim.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 24

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