A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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Meus argumentos eram absolutamente convincentes — para mim pelo menos. Minha mãe, porém, não se<br />
comoveu.<br />
— Paul — disse ela finalmente —, você conhece estas montanhas; se eu for embora, quem vai aju<strong>da</strong>r o povo <strong>da</strong>s<br />
vilas? Quem tratará seus ferimentos, arrancará seus dentes e lhes ensinará sobre Jesus? Quando alguém vier tomar<br />
o meu lugar, então e só então vou aposentar-me. De qualquer forma, para que conservar este velho corpo se ele<br />
não for usado onde Deus precisa dele?<br />
Essa foi a sua resposta final.<br />
A <strong>dor</strong> era uma companheira frequente de minha mãe, assim como o sacrifício. Digo isto com bon<strong>da</strong>de e amor,<br />
mas em sua velhice minha mãe tinha bem pouca beleza física. As condições rudes em que vivia, combina<strong>da</strong>s com<br />
as que<strong>da</strong>s que a aleijaram e as batalhas com a febre tifóide, disenteria e malária, fizeram dela uma mulher idosa,<br />
magra e curva<strong>da</strong>. Anos de exposição ao vento e ao sol haviam endurecido a pele de seu rosto, transformando-a em<br />
couro e vincando-a com rugas profun<strong>da</strong>s e extensas como eu jamais vira numa face humana. A Evelyn Harris <strong>da</strong>s<br />
roupas chamativas e perfil clássico era uma vaga memória do passado. Minha mãe sabia disto tanto quanto<br />
qualquer um, pois durante os últimos vinte anos de sua vi<strong>da</strong> recusou-se a ter um espelho em casa.<br />
To<strong>da</strong>via, com to<strong>da</strong> a objetivi<strong>da</strong>de que um filho pode reunir, posso dizer sinceramente que Evelyn Harris Brand foi<br />
uma mulher lin<strong>da</strong>, até o fim. Uma de minhas lembranças visuais mais fortes dela ocorreu num povoado <strong>da</strong>s<br />
montanhas, possivelmente a última vez que a vi em seu próprio ambiente. Ao aproximar-se, os aldeãos correram<br />
para carregar suas muletas e levá-la a um lugar de honra. Em minha memória, ela está senta<strong>da</strong> no muro baixo de<br />
pedras que rodeia o povoado, com pessoas se apertando de todos os lados à sua volta. Eles já tinham ouvido os<br />
cumprimentos dela por terem protegido suas fontes de água e pela horta que estava crescendo na periferia. Estão<br />
agora ouvindo o que ela tem a dizer sobre o amor de Deus por eles. Meneiam as cabeças em encorajamento, e perguntas<br />
profun<strong>da</strong>s, inquisitivas são feitas pela multidão. Os olhos embaciados de minha mãe estão brilhando e, de<br />
pé ao seu lado, posso imaginar o que ela deve estar vendo com sua vista fraca: rostos atentos, cheios de confiança<br />
e afeto por alguém que aprenderam a amar.<br />
Compreendi então que ninguém mais na terra merecia tanto amor e devoção <strong>da</strong>queles camponeses. Estavam<br />
olhando para um velho rosto ossudo, enrugado, mas de alguma forma os tecidos encolhidos dela haviam se<br />
tornado transparentes, e ela era apenas espírito radiante. Para eles, e para mim, ela era lin<strong>da</strong>. A Vovó Brand não<br />
precisava de um espelho feito de vidro e metal polido; podia ver seu próprio reflexo nas faces ilumina<strong>da</strong>s à sua<br />
volta. Minha mãe morreu alguns anos mais tarde, com 95 anos. De acordo com as suas instruções, os aldeãos a<br />
sepultaram envolta num lençol simples de algodão para que seu corpo voltasse à terra e alimentasse a vi<strong>da</strong>. Seu<br />
espírito também continua vivendo, numa igreja, numa clínica, em várias escolas e nas faces de milhares de<br />
aldeãos em cinco cordilheiras ao sul <strong>da</strong> Índia.<br />
Um colabora<strong>dor</strong> comentou certa vez que a Vovó Brand estava mais viva do que qualquer pessoa que já conhecera.<br />
Ao <strong>da</strong>r sua vi<strong>da</strong>, ela a encontrou. Ela conhecia bem a <strong>dor</strong>, mas a <strong>dor</strong> não precisa destruir. Pode ser transforma<strong>da</strong><br />
— uma lição que minha mãe me ensinou e que nunca esqueci.<br />
Nota<br />
1 Uma pesquisa recente perguntou aos americanos se pensavam ter alcançado "o sonho americano". Noventa e cinco por cento dos que<br />
ganhavam menos de quinze mil dólares anualmente responderam que não; 94 por cento dos que ganhavam mais de cinquenta mil dólares<br />
também responderam que não.<br />
Agradecimentos<br />
O dr. Paul Brand e <strong>Philip</strong> <strong>Yancey</strong> foram co-autores em dois livros publicados anteriormente, As maravilhas do<br />
corpo (Edições Vi<strong>da</strong> Nova) e À imagem e semelhança de Deus (Editora Vi<strong>da</strong>), ambos lançados pela Zondervan<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 188