A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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Limpávamos todo sinal de septicemia, cortávamos o tecido necrosado e banhávamos a feri<strong>da</strong> com o agente<br />
antisséptico violeta genciana. Uma semana mais tarde, quando o paciente voltava para trocar o curativo, não<br />
víamos qualquer melhora. Mais uma vez, limpávamos meticulosamente e protegíamos as feri<strong>da</strong>s, em segui<strong>da</strong><br />
liberávamos o paciente — apenas para vê-lo voltar uma semana depois com a feri<strong>da</strong> em pior condição.<br />
Sa<strong>da</strong>n, o jovem amável que <strong>dor</strong>mira em nossa varan<strong>da</strong>, exemplificou esse padrão. Tivemos sucesso com suas<br />
mãos, e, alguns meses depois <strong>da</strong> cirurgia e recuperação, ele conseguiu um emprego como auxiliar de escritório.<br />
Mas na<strong>da</strong> que tentamos pareceu aju<strong>da</strong>r seus pés. Ele fora a Vellore como um último recurso, depois que vários<br />
médicos aconselharam a amputação <strong>da</strong>s duas pernas abaixo dos joelhos. Seus pés haviam encurtado até quase a<br />
metade, e uma feri<strong>da</strong> vermelha de horrível aspecto persistia na almofa<strong>da</strong> [a região macia na parte dianteira <strong>da</strong> sola<br />
do pé] de seus pés sem dedos. Experimentamos unguentos, sulfato de magnésio, creme de penicilina e qualquer<br />
outro tratamento que pudesse aju<strong>da</strong>r na cura <strong>da</strong>s fen<strong>da</strong>s. Elas só pareciam piorar.<br />
O ciclo frustrante continuou durante meses. Várias vezes Sa<strong>da</strong>n me pediu que não perdesse tempo com os seus<br />
pés. — Vá em frente e ampute, como os outros médicos recomen<strong>da</strong>ram— dizia ele.<br />
Eu não podia fazê-lo. Também não conseguia encontrar a solução para as feri<strong>da</strong>s nos pés dele. Fiquei admirado ao<br />
ver que os ferimentos cirúrgicos em suas mãos sararam conforme o esperado, enquanto isso não acontecia com as<br />
feri<strong>da</strong>s em seus pés. "Carne má" seria a explicação?<br />
Sa<strong>da</strong>n não sentia <strong>dor</strong> nas feri<strong>da</strong>s dos pés e nunca se queixava. Certo dia, troquei os curativos pelo menos dez<br />
vezes. Eu mal podia suportar encontrá-lo e remover as meias. Passara a amar Sa<strong>da</strong>n e sabia que ele me amava e se<br />
apegava a mim como sua última esperança. Partiu-me o coração naquele dia dizer-lhe que provavelmente os<br />
outros médicos estavam certos. Poderíamos ter de amputar porque simplesmente não conseguíamos impedir que a<br />
infecção se espalhasse. Sa<strong>da</strong>n recebeu a notícia com triste resignação. Pus o braço em seus ombros e o levei pelo<br />
corre<strong>dor</strong> do hospital até a porta, tentando pensar em alguma palavra para encorajá-lo. Não rinha nenhuma a<br />
oferecer. Compartilhava plenamente seu sentimento de desespero.<br />
Em vez de voltar à minha sala de exames, fiquei ali parado vendo Sa<strong>da</strong>n descer os degraus, cruzar uma calça<strong>da</strong> e<br />
seguir pela rua. Sua cabeça e seus ombros estavam arqueados em uma postura de derrota. Então pela primeira vez<br />
notei uma coisa. Ele não coxeava! Eu acabara de passar meia hora limpando uma feri<strong>da</strong> grave na almofa<strong>da</strong> do pé<br />
e ele estava pondo todo o seu peso no ponto exato que havíamos tratado tão cui<strong>da</strong>dosamente. Não é de admirar<br />
que a feri<strong>da</strong> nunca sarasse!<br />
Como pude não ter visto aquilo até o momento? Violeta genciana, penicilina e qualquer outro medicamento não<br />
teriam meios de aju<strong>da</strong>r Sa<strong>da</strong>n enquanto ele, não delibera<strong>da</strong>mente e como resultado <strong>da</strong> sua ausência de <strong>dor</strong>,<br />
mantivesse o tecido num estado contínuo de trauma. Finalmente eu encontrara o culpado pela feri<strong>da</strong> que não<br />
sarava: o próprio paciente!<br />
Tentamos ensinar pacientes com feri<strong>da</strong>s nos pés a coxear, mas eles raramente pareciam lembrar-se disso. Meu<br />
assistente, Ernest Fritschi, ofereceu a melhor solução.<br />
— Usamos talas de gesso na mão de nossos pacientes e seus ferimentos cirúrgicos saram adequa<strong>da</strong>mente — disse<br />
ele. — Por que não aplicar o mesmo tratamento às feri<strong>da</strong>s dos pés? Essa simples ideia provou ser mais valiosa do<br />
que todos os outros tratamentos juntos. (Mais tarde, lemos um relatório escrito pelo dr. DeSilva, de Colombo, no<br />
Ceilão, que havia usado a mesma técnica de ataduras rígi<strong>da</strong>s para curar as fen<strong>da</strong>s dos pés leprosos.) Cobertas<br />
tempo suficiente pelo gesso, as feri<strong>da</strong>s dos pés sararam por completo. Uma vez que não podíamos dispor de muito<br />
gesso calcinado, tivemos de engolir nossas dúvi<strong>da</strong>s e deixar ca<strong>da</strong> pé engessado por um mês. Aprendemos para<br />
nossa surpresa que o ferimento protegido em uma atadura rígi<strong>da</strong> sarava muito mais depressa do que o<br />
simplesmente enfaixado, mesmo que o curativo fosse substituído diariamente. No geral, a atadura rígi<strong>da</strong> tinha um<br />
cheiro terrível quando a removíamos, mas depois de limpar o material morto e o pus, encontrávamos tecido<br />
saudável, vermelho e brilhante por baixo.<br />
Três a quatro meses de repouso dentro <strong>da</strong> atadura rígi<strong>da</strong> eram suficientes para curar as úlceras mais obstina<strong>da</strong>s.<br />
Como a armadura de um cavaleiro medieval, a feri<strong>da</strong> rígi<strong>da</strong> que cobria o membro inteiro fornecia uma concha<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 76