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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Era fácil pensar neles como descui<strong>da</strong>dos ou irresponsáveis até que comecei a compreender o seu ponto de vista. A<br />

<strong>dor</strong>, juntamente com seu primo, o toque, é distribuí<strong>da</strong> universalmente pelo corpo, formando uma espécie de<br />

fronteira do eu. A per<strong>da</strong> de sensibili<strong>da</strong>de destrói essa fronteira, e agora meus pacientes de lepra não mais sentiam<br />

as mãos e os pés como parte do eu. Mesmo depois <strong>da</strong> cirurgia, eles tendiam a ver as mãos e os pés corrigidos<br />

como ferramentas ou apêndices artificiais. Faltava a eles o instinto básico <strong>da</strong> autoproteção que a <strong>dor</strong> normalmente<br />

oferece. Um dos meninos me disse:<br />

— Minhas mãos e meus pés não se sentem parte de mim. São como ferramentas que posso usar. Mas não são<br />

realmente eu. Posso vê-los, mas em minha mente estão mortos.<br />

Ouvi comentários desse tipo várias vezes, sublinhando o papel crucial que a <strong>dor</strong> desempenha na unificação do<br />

corpo humano.<br />

Com o passar <strong>da</strong>s semanas, a mensagem acabou sendo compreendi<strong>da</strong>, e o grupo juntou-se para a caça<strong>da</strong> policial.<br />

Sempre que encontrávamos um ferimento, nós o examinávamos cui<strong>da</strong>dosamente em busca de uma causa, depois<br />

colocávamos uma tala para manter o dedo ou a mão fora de ação até que sarasse. Descobrimos tanto causas<br />

rotineiras como exóticas de ferimentos espontâneos, sentindo-nos especialmente orgulhosos quando<br />

conseguíamos resolver um caso difícil. Por exemplo, alguns dos jovens apareceram com feri<strong>da</strong>s feias entre os<br />

dedos. Descobrimos que a espuma de sabão tende a ficar presa nas fen<strong>da</strong>s entre os dedos paralisados <strong>da</strong>s mãos e<br />

dos pés; a pele amolece, macera e acaba se abrindo.<br />

Uma vez descoberta a origem de um ferimento, geralmente podíamos impedir sua recorrência. Foram necessárias<br />

semanas para decifrar machucados que apareciam nos nós dos dedos dos pacientes durante a noite. Um rapaz<br />

parecia especialmente suscetível. A noite o examinávamos e víamos mãos sadias, sem marcas; na manhã seguinte,<br />

uma fileira pequena de feri<strong>da</strong>s havia aparecido misteriosamente. Como poderiam ocorrer durante o sono? Seriam<br />

feri<strong>da</strong>s causa<strong>da</strong>s por pressão? Nós o interrogamos para saber em que posições <strong>dor</strong>mia e esquadrinhamos seu<br />

quarto para descobrir interruptores ou objetos aguçados.<br />

Seus espertos colegas de quarto finalmente identificaram o problema. Á noite, o menino com as feridinhas nos<br />

dedos gostava de ler na cama. Pouco antes de deitar, ele apagava a lâmpa<strong>da</strong> girando um interruptor de metal para<br />

recolher o pavio. Ao fazer isso, as costas de sua mão, insensíveis ao calor e à <strong>dor</strong>, roçavam o globo de vidro,<br />

machucando a carne num padrão regular ao longo de três dedos. Colocamos puxa<strong>dor</strong>es longos em to<strong>da</strong>s as<br />

lâmpa<strong>da</strong>s, e os garotos que gostavam de ler à noite não precisaram mais se preocupar com ferimentos.<br />

Os pacientes aprenderam a justificar 90 por cento dos ferimentos espontâneos. Os <strong>da</strong>nos mais intrigantes eram,<br />

sem dúvi<strong>da</strong>, os que envolviam o desaparecimento súbito de todo um segmento de um dedo <strong>da</strong> mão ou do pé. De<br />

quando em quando um paciente aparecia em nossas reuniões diárias e mostrava timi<strong>da</strong>mente uma feri<strong>da</strong><br />

sangrando, com a carne faltando ao re<strong>dor</strong> de uma secção de 2,5 centímetros de um dedo <strong>da</strong> mão ou do pé e o osso<br />

exposto. Este fato estranho desafiava tudo o que havíamos aprendido e, até que resolvêssemos o mistério,<br />

prejudicava to<strong>da</strong> a nossa teoria. Eu não ousava falar com os outros membros do hospital sobre o problema, pois<br />

ele parecia confirmar os piores mitos a respeito de dedos dos pés e <strong>da</strong>s mãos simplesmente "caírem".<br />

A pessoa aflita quase sempre notava o dedo perdido pela manhã, Algo abominável estava acontecendo durante a<br />

noite. Um paciente resolveu o mistério, ficando sentado a noite inteira num posto de observação, do qual<br />

observou uma cena saí<strong>da</strong> diretamente de um filme de horror. No meio <strong>da</strong> noite um rato subiu na cama de um<br />

paciente, cheirou em re<strong>dor</strong>, tocou um dedo e não encontrando resistência começou a roê-lo. O vigia berrou,<br />

acor<strong>da</strong>ndo todo mundo e afugentando o rato. Tivemos finalmente a resposta: os dedos dos meninos não tinham<br />

caído — estavam sendo comidos.<br />

Esta causa tremen<strong>da</strong>mente repugnante dos ferimentos espontâneos foi facilmente remedia<strong>da</strong>. Preparamos<br />

armadilhas para os roe<strong>dor</strong>es e construímos barreiras ao re<strong>dor</strong> dos leitos de nossos pacientes. Quando o problema<br />

continuou, descobrimos uma solução mais efetiva: entramos no negócio de criação de gatos, usando a linhagem<br />

de um legítimo gato siamês que era um excelente caça<strong>dor</strong> de ratos. A partir de então, nenhum paciente de lepra<br />

podia sair do centro de reabilitação sem um companheiro felino. O problema de per<strong>da</strong> de pe<strong>da</strong>ços de dedos<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 80

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