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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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Beecher, um anestesiologista, contrastava as reações dos sol<strong>da</strong>dos com o que vira na prática particular, onde 80<br />

por cento dos pacientes em recuperação de cirurgias pediam morfina e outros narcóticos. Ele concluiu: "Não há<br />

uma relação direta simples entre o ferimento em si e a <strong>dor</strong> experimenta<strong>da</strong>. A <strong>dor</strong> é em grande parte determina<strong>da</strong><br />

por outros fatores, e de máxima importância aqui é o significado do ferimento... No sol<strong>da</strong>do ferido a reação era<br />

alívio, agradecimento por ter escapado vivo do campo de batalha, até mesmo euforia; para o civil, sua cirurgia<br />

grave era um evento deprimente, calamitoso".<br />

Meu estudo do cérebro, especialmente no projeto de dissecação em Cardiff, ajudou-me a compreender por que a<br />

mente desempenha um papel tão importante na <strong>dor</strong>. A estrutura do cérebro exige isso. Só um décimo de um por<br />

cento <strong>da</strong>s fibras que entram no córtex cerebral transmite informação sensorial nova, inclusive mensagens de <strong>dor</strong>;<br />

to<strong>da</strong>s as outras células nervosas comunicam-se umas com as outras, refletindo, filtrando através <strong>da</strong> memória e <strong>da</strong><br />

emoção. Tenho medo? A <strong>dor</strong> está produzindo algo valioso? Quero realmente recuperar-rne? Estou recebendo<br />

atenção?<br />

Além disso, o cérebro consciente compõe a sua resposta a esse turbilhão de <strong>da</strong>dos dentro do crânio, isolado do<br />

estímulo que causou primeiramente a <strong>dor</strong>. A maioria <strong>da</strong>s sensações possui uma referência "externa", e gostamos<br />

de convi<strong>da</strong>r outros para compartilhar o que instiga nossos sentidos. "Veja aquela montanha!", "Preste atenção,<br />

agora vem a parte interessante", "Sinta esta pele — é tão macia". Chega então a sensação predominante <strong>da</strong> <strong>dor</strong> e<br />

ca<strong>da</strong> um de nós fica órfão. A <strong>dor</strong> não tem existência "externa". Duas pessoas podem olhar para a mesma árvore,<br />

mas ninguém já compartilhou uma <strong>dor</strong> de estômago. E isto que torna tão difícil o tratamento <strong>da</strong> <strong>dor</strong>. Nenhum de<br />

nós — médico, paciente ou amigo — pode participar realmente <strong>da</strong> <strong>dor</strong> de outra pessoa. É a sensação mais<br />

solitária, mais pessoal que existe.<br />

Como você se sente? Está doendo muito? Podemos fazer essas perguntas e formar uma ideia <strong>da</strong> <strong>dor</strong> de outra<br />

pessoa, mas nunca com absoluta certeza. Patrick Wall, um pioneiro <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> <strong>dor</strong>, especifica o dilema: "A <strong>dor</strong> é<br />

a minha <strong>dor</strong> à medi<strong>da</strong> que cresce como uma obsessão imperativa, uma compulsão, uma reali<strong>da</strong>de dominante. A<br />

sua <strong>dor</strong> é uma questão diferente... Mesmo que eu tenha passado por uma situação similar, só conheço a minha <strong>dor</strong><br />

e adivinho a sua. Se você machucar o dedo com o martelo, agito-me ao lembrar como o meu polegar doeu quando<br />

dei uma martela<strong>da</strong> nele. Mas só posso supor como você se gente". Wall diz que aprendeu a respeitar a descrição<br />

do paciente, por mais vaga que seja, pois apesar do que qualquer instrumento high-tech para diagnóstico possa<br />

indicar, em última análise o relatório verbal do paciente é a única justificativa possível para a <strong>dor</strong>. 1<br />

To<strong>da</strong>via, a <strong>dor</strong> é um sentimento órfão que ninguém mais pode realmente compartilhar; ele parece ser<br />

indispensável para aju<strong>da</strong>r na formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal do indivíduo. Sofro <strong>dor</strong>, portanto sou. O cérebro<br />

confia numa "imagem senti<strong>da</strong>" <strong>da</strong>s partes do corpo para construir o seu mapa interior; quando o <strong>da</strong>no ao nervo<br />

interrompe o fluxo de <strong>da</strong>dos para o cérebro, isso coloca em risco o sentido básico do eu. Em termos metafóricos,<br />

usamos a palavra morto para descrever um estado temporário de ausência de <strong>dor</strong>, como quando um dentista<br />

insensibiliza um dente ou quando cruzamos a perna por tanto tempo que ela a<strong>dor</strong>mece. Os leprosos parecem<br />

considerar suas mãos e pés como ver<strong>da</strong>deiramente mortos. O membro está ali — eles podem vê-lo —, mas sem a<br />

resposta sensorial para alimentar a imagem senti<strong>da</strong> em seus cérebros, perdem a percepção inata de que a mão ou o<br />

pé amortecido pertence ao resto do corpo.<br />

Vi esse princípio em ação de maneira bastante grotesca nos animais de laboratório. Durante algum tempo usei<br />

ratos brancos para aju<strong>da</strong>r na determinação do melhor modelo de sapatos para os pés insensíveis dos pacientes de<br />

lepra. Eu anestesiava um centro de <strong>dor</strong> na perna traseira e depois imitava o estresse de diferentes tipos de sapatos<br />

na pata do rato. Eu tinha de manter esses animais de pesquisa bem alimentados, porque se tivessem fome iriam<br />

simplesmente começar a comer a perna amorteci<strong>da</strong> — o rato não mais a reconhecia como parte de si mesmo. Da<br />

mesma forma, um lobo, com a perna <strong>dor</strong>mente por causa <strong>da</strong> pressão de uma armadilha e do frio, irá calmamente<br />

roer a própria pele e osso e sair manquejando.<br />

UM PAPEL DOMINANTE<br />

Uma ameba, sem cérebro, sente o perigo diretamente e foge dos produtos químicos irritantes e de luzes fortes. Os<br />

animais "superiores" percebem indiretamente a <strong>dor</strong> — o sistema nervoso central informa um cérebro isolado do<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 127

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