19.05.2013 Views

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

UM GOLPE SÚBITO<br />

Todos consideravam o sanatório dirigido pela Igreja <strong>da</strong> Escócia uma instalação modelo. Os pacientes de lepra<br />

tendiam a viver separados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, formando suas próprias comuni<strong>da</strong>des ao lado de um depósito de lixo ou<br />

em algum lugar remoto. Até mesmo os leprosários alojavam seus pacientes em prédios imundos, afastados dos<br />

centros populosos. Em contraste, Chingleput era um campus agradável e extenso de prédios amarelos limpos com<br />

telhados vermelhos. Anos antes, missionários haviam plantado fileiras de mangueiras e tamarindeiras e, como<br />

resultado, Chingleput se destacava agora como um oásis na região rochosa de terra vermelha ao sul de Madras.<br />

Minha visita a Bob Cochrane em Chingleput deu-se finalmente num dia ensolarado e agradável em 1947.<br />

Enquanto andávamos por um caminho sombreado, ele encheu meus ouvidos com mais fatos sobre a lepra do que<br />

eu queria saber.<br />

— Não é assim tão contagiosa — disse ele. — Só um em vinte adultos chega a ser suscetível. O restante não iria<br />

contraí-la mesmo que tentasse. A lepra costumava ser terrível, mas agora, graças às sulfonas, podemos deter a<br />

doença num estágio inicial. Se apenas pudéssemos fazer com que a socie<strong>da</strong>de tomasse conhecimento dos avanços<br />

na medicina, este lugar poderia ser fechado. Nossos pacientes voltariam para as suas comuni<strong>da</strong>des e retomariam<br />

suas vi<strong>da</strong>s.<br />

Em meio a essas minipalestras, Cochrane mostrou-me orgulhosamente as indústrias caseiras que estabelecera:<br />

tecelagem, encadernação e sapatarias; hortas; galpões de carpintaria. Ele parecia ignorar a aparência terrível dos<br />

pacientes com lepra avança<strong>da</strong>, mas eu tive de lutar contra a tentação de desviar os olhos <strong>da</strong>s faces mais<br />

desfigura<strong>da</strong>s. Alguns tinham as características leoninas <strong>da</strong> lepra: nariz achatado, ausência de sobrancelhas e<br />

grande espessamento <strong>da</strong>s áreas <strong>da</strong> testa e maçãs do rosto. Outros tinham tão pouco controle dos músculos faciais<br />

que achei difícil diferenciar um sorriso de uma careta. Notei uma película leitosa, mancha<strong>da</strong> de vermelho, em<br />

muitos olhos, e Cochrane me informou que a lepra em vários casos cega a vítima.<br />

Depois de alguns minutos, porém, deixei de olhar as faces, porque as mãos dos pacientes haviam capturado minha<br />

atenção. Enquanto passávamos, os pacientes nos cumprimentavam à maneira tradicional indiana, mãos levanta<strong>da</strong>s<br />

e palmas juntas diante <strong>da</strong> cabeça levemente curva<strong>da</strong>. Nunca em minha vi<strong>da</strong> eu vira tantos cotos e mãos em garra.<br />

Dedos encurtados se projetavam em ângulos anormais, as juntas imobiliza<strong>da</strong>s em posição. Vi outros dedos<br />

curvados para baixo contra a palma numa posição fixa de garra, com as unhas entrando na carne <strong>da</strong> palma.<br />

Algumas mãos não tinham polegares nem dedos.<br />

Na sala de tecelagem notei um jovem trabalhando vigorosamente num tear, movendo rapi<strong>da</strong>mente a lançadeira<br />

pelo tecido com a mão direita e depois estendendo a esquer<strong>da</strong> para forçar uma barra de madeira contra os fios,<br />

juntando-os. Ele aumentou a veloci<strong>da</strong>de, provavelmente para fazer bonito diante do diretor e seu convi<strong>da</strong>do, e<br />

pe<strong>da</strong>cinhos de algodão flutuaram pelo ar como poeira. Cochrane gritou por cima do ruído do tear:<br />

— Veja você, Paul, esses trabalha<strong>dor</strong>es teriam de recorrer à mendicância fora do leprosário. Apesar de suas<br />

habili<strong>da</strong>des, ninguém os empregaria.<br />

Fiz um gesto para interromper Bob e apontei para uma trilha de manchas escuras no tecido de algodão. Sangue?<br />

— Posso ver sua mão? — gritei para o tecelão.<br />

Ele soltou os pe<strong>da</strong>is e parou a lançadeira e instantaneamente o nível de ruído no local desceu vários decibéis.<br />

Estendeu então uma mão deforma<strong>da</strong>, com vários dedos encurtados. O indica<strong>dor</strong> perdera talvez cerca de oito<br />

milímetros de comprimento, e quando olhei mais de perto, vi o osso exposto projetando-se de um ferimento feio,<br />

infeccionado. Aquele rapaz estava trabalhando com um dedo cortado até o osso!<br />

— Como você se cortou? — perguntei.<br />

Ele deu uma resposta despreocupa<strong>da</strong>:<br />

— Oh, não é na<strong>da</strong>. Tinha uma feri<strong>da</strong> no dedo e antes sangrava um pouco. Acho que abriu outra vez.<br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 57

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!