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A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode

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— Eu sei, mas vai torná-lo bem mais confortável e aju<strong>da</strong>rá a <strong>dor</strong>mir.<br />

—Tem certeza de que não vai fazer mal a ele? No final <strong>da</strong> discussão, minha tia entrou com um grande comprimido<br />

branco e um copo d'água.<br />

—O médico disse que você pode tomar isto, Paul. Vai melhorar a sua <strong>dor</strong> de cabeça.<br />

Eu havia her<strong>da</strong>do de minha mãe uma suspeita contra todos os medicamentos, e a discussão sussurra<strong>da</strong> no corre<strong>dor</strong><br />

só fizera confirmar essa suspeita. Decidi li<strong>da</strong>r com a <strong>dor</strong> sem a aspirina. Fiquei repetindo a mim mesmo: "Posso<br />

aguentar. Sou forte. Posso aguentar". O comprimido branco ficou a noite inteira em meu criado-mudo, não<br />

engolido, indistinto, uma poção mágica com poderes vastos mas-não-inteiramente-confiáveis. Dormi sem ela.<br />

Quero acrescentar rapi<strong>da</strong>mente que nos anos que se seguiram tomei medicamentos e administrei muitos outros,<br />

tanto para meus pacientes como para meus filhos. Não obstante, recordo-rne com gratidão de ter sido criado num<br />

ambiente que me ensinou uma lição duradoura: minhas sensações devem servir-me, e não man<strong>da</strong>r em mim.<br />

Lembro-me de na manhã seguinte ter sentido um certo orgulho quando minha tia entrou no quarto e achou o<br />

comprimido sobre a mesinha de cabeceira. Eu havia dominado a <strong>dor</strong>, pelo menos por uma noite.<br />

O incidente <strong>da</strong> aspirina deu-me a confiança de que "podia li<strong>da</strong>r com a <strong>dor</strong>" — a mesma lição que John Webb<br />

tentaria mais tarde transmitir a nossos filhos depois de seu acidente de motocicleta. Uma pequena vitória<br />

preparou-me então para uma <strong>dor</strong> muito mais intensa no futuro, tal como a que eu sentiria na medula espinhal,<br />

vesícula biliar e próstata. Aprendi desde cedo um padrão de domínio próprio que me serviu muito bem nas<br />

circunstâncias em que eu não podia encontrar rapi<strong>da</strong>mente alívio.<br />

Certa vez, durante a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, quando o recrutamento militar resultou numa grande falta de<br />

dentistas, decidi tratar de meus próprios dentes e encher algumas cavi<strong>da</strong>des incómo<strong>da</strong>s. Usando um complexo de<br />

espelhos consegui eliminar as cáries e colocar uma obturação. Para minha surpresa, pareceu mais fácil do que o<br />

tratamento no dentista. Senti-me no controle. Podia sentir os pontos doloridos e guiar a broca ao re<strong>dor</strong> deles; um<br />

dentista teria de interpretar meus resmungos e gemidos. Pensei com gratidão na disciplina que aprendera para<br />

dominar a <strong>dor</strong> anos antes.<br />

Quase todos nós, mesmo numa socie<strong>da</strong>de orienta<strong>da</strong> para o conforto, suportamos voluntariamente alguma <strong>dor</strong>. As<br />

mulheres depilam as sobrancelhas, usam sapatos altos e meias finas no inverno, chegando até a fazer cirurgias<br />

para mu<strong>da</strong>r detalhes do rosto ou do corpo. Os atletas fazem condicionamento físico para enfrentar os golpes que<br />

os esperam na quadra de basquete, de hóquei ou no campo de futebol. Um grande fabricante de máquinas de<br />

exercício convi<strong>da</strong> seus usuários: "Sintam o calor". O que acontece frequentemente, entretanto, é que as pessoas<br />

que se submetem delibera<strong>da</strong>mente à <strong>dor</strong> para algum fim desejável descobrem que a <strong>dor</strong> involuntária é terrível e<br />

não pode ser controla<strong>da</strong>. A <strong>dor</strong> de uma doença ou ferimento parece uma intrusão numa cultura que dá a ilusão de<br />

que todo desconforto é controlável.<br />

Minha vi<strong>da</strong> na Índia me expôs a uma socie<strong>da</strong>de que não tem ilusões sobre o controle do desconforto. Num país<br />

onde o clima é severo, as doenças tropicais predominam e os desastres naturais surgem com ca<strong>da</strong> tufão, ninguém<br />

pretende "resolver" a <strong>dor</strong>. "Não obstante, no decorrer dos séculos a cultura descobriu meios de aju<strong>da</strong>r seu povo a<br />

enfrentar as dificul<strong>da</strong>des. Uma socie<strong>da</strong>de à qual faltavam muitos recursos físicos foi força<strong>da</strong> a voltar-se para os recursos<br />

mentais e espirituais.<br />

Primeiro como criança e mais tarde como médico na Índia, eu tinha fascinação pelos faquires e sadhus, que<br />

dominavam totalmente suas funções corporais. Eles podiam an<strong>da</strong>r sobre pregos, manter uma postura difícil<br />

durante horas ou jejuar semanas. Os praticantes mais avançados conseguiam até controlar as bati<strong>da</strong>s do coração e<br />

a pressão sanguínea. Os "homens santos" hindus eram conhecidos pelo seu ascetismo, e a estima por esse elevado<br />

valor cultural se estendia à socie<strong>da</strong>de como um todo. Desde muito cedo, o povo indiano aprendeu a respeitar a<br />

disciplina e o autocontrole, quali<strong>da</strong>des que o equipavam para li<strong>da</strong>r com o sofrimento.<br />

O budismo, uma filosofia especificamente destina<strong>da</strong> a aceitar o sofrimento humano, cresceu no solo indiano.<br />

Chocado com as Quatro Visões Angustiosas (doença, um corpo morto, velhice e um mendigo), Gautama Bu<strong>da</strong><br />

A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 143

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