A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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nenhuma droga ousara prometer antes:<br />
a penicilina, possivelmente o maior avanço na história <strong>da</strong> medicina, entrara em uso.<br />
Os detalhes <strong>da</strong> descoberta <strong>da</strong> penicilina por Alexander Fleming em 1928 ganharam contornos lendários. Ele<br />
trabalhou em um laboratório desorganizado, um tanto caótico, e suas pesquisas com frequência mostravam um<br />
toque de extravagância. (Ele gostava de esfregar germes selecionados em um recipiente de cultura, utilizando um<br />
padrão, a fim de que as bactérias cromógenas que emergissem 24 horas mais tarde formassem uma figura ou uma<br />
palavra. As bactérias de fato assinavam seus próprios nomes: "ovo" ou "lágrimas", por exemplo, numa superfície<br />
de agar-agar 3 coberta com clara de ovo ou lágrimas humanas.)<br />
Os primeiros esporos de penicilina entraram no laboratório de Fleming inteiramente por acaso, provavelmente<br />
trazidos pelo vento através de uma janela aberta. Vi num museu <strong>da</strong> Inglaterra o recipiente <strong>da</strong> cultura original em<br />
que Fleming notou pela primeira vez as proprie<strong>da</strong>des invulgares <strong>da</strong> penicilina. Ele estava tentando obter bactérias<br />
de estafilococos, e não mofo, e nas beira<strong>da</strong>s do prato, colônias de estafilococos cresciam brilhantes, como galáxias<br />
nas extremi<strong>da</strong>des do universo. Mais perto do centro, porém, elas empalideciam, quase como imagens<br />
fantasmagóricas. Ao re<strong>dor</strong> do pe<strong>da</strong>ço de mofo, o prato de agar estava preto; nenhuma bactéria visível. O buraco<br />
negro <strong>da</strong> Penicillium notatum as engolira to<strong>da</strong>s.<br />
Durante doze anos, com intervalos, Fleming trabalhou com a penicilina. Apesar <strong>da</strong> sua notável habili<strong>da</strong>de para<br />
matar bactérias prejudiciais, a penicilina mostrou pouco potencial como droga: era tóxica, instável e se quebrava<br />
rapi<strong>da</strong>mente no interior do corpo humano. Mesmo assim, Fleming manteve uma quanti<strong>da</strong>de suficiente do fungo<br />
(de um tipo raro, como confirmado mais tarde) crescendo, a fim de suprir a si mesmo e a outros.<br />
Em 1939, mais de uma déca<strong>da</strong> depois <strong>da</strong> descoberta de Fleming, Howard Walter Florey, um jovem patologista<br />
australiano que trabalhava em Oxford, interessou-se pela penicilina. Ele não poderia ter escolhido uma época pior<br />
para inaugurar um projeto de pesquisa dispendioso: seu pedido para uma subvenção do governo chegou três dias<br />
depois que a Grã-Bretanha declarara guerra à Alemanha. No mesmo dia em que os tanques alemães empurraram o<br />
exército inglês na direção de Dunquerque, Florey realizou seus primeiros testes clínicos com ratos, injetando<br />
neles primeiro estreptococos e depois penicilina. O experimento mostrou-se tão promissor que Florey, ao saber <strong>da</strong><br />
derrota em Dunquerque, esfregou esporos de penicilina no forro de seu paletó, para que no caso de uma conquista<br />
alemã ele pudesse levar o fungo para fora do país. Mais tarde, naquele ano, conduziu testes clínicos em pacientes<br />
humanos, com estrondoso sucesso. 4<br />
O laboratório de Florey tornou-se uma fábrica de penicilina. Ele criava o fungo em batedeiras de leite, vasos, latas<br />
de gasolina, de biscoitos, em qualquer recipiente que pudesse encontrar. Os governos aliados, rápidos em<br />
reconhecer o potencial <strong>da</strong> droga para uso contra infecções nos sol<strong>da</strong>dos feridos — e também contra a gonorréia,<br />
que em alguns lugares estava causando mais baixas do que o inimigo —, ofereceram apoio total. Uma velha<br />
fábrica de queijos foi requisita<strong>da</strong> para cultivar penicilina. A Distillers Company concordou em converter algumas<br />
de suas enormes cubas de preparação de álcool para o cultivo de mofo. Esse esforço enorme produziu um total<br />
geral de treze quilos de penicilina purifica<strong>da</strong> em 1943. Os americanos amealharam as suas quanti<strong>da</strong>des<br />
antecipando o Dia D. As autori<strong>da</strong>des britânicas restringiram a droga para uso de membros <strong>da</strong>s forças arma<strong>da</strong>s e<br />
distribuíam cui<strong>da</strong>dosamente determina<strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des aos hospitais aprovados.<br />
Eu estava fazendo rodízio nos hospitais suburbanos de Londres quando tive meu primeiro contato direto com a<br />
penicilina. Em Leavesdon, um hospital de evacuação, tratei algumas <strong>da</strong>s vítimas <strong>da</strong>s retira<strong>da</strong>s britânicas em<br />
Bolonha e Dunquerque. Notícias <strong>da</strong> droga milagrosa haviam se espalhado como fogo na pra<strong>da</strong>ria entre as tropas.<br />
"Não importa quão grave seja o seu ferimento, este medicamento o manterá vivo", era o que os boatos diziam.<br />
Nessa época nenhuma droga, nem mesmo a morfina, era mais preciosa ou mais deseja<strong>da</strong>. Os sol<strong>da</strong>dos escolhidos<br />
para o tratamento acreditavam que se tornariam invencíveis contra qualquer mal, que ganhariam vi<strong>da</strong> nova.<br />
To<strong>da</strong>via, existiam alguns problemas em relação à droga milagrosa. A Distillers não aperfeiçoara o processo de<br />
purificação, e a solução espessa, amarela<strong>da</strong> era altamente irritável para o tecido vivo. Quando injeta<strong>da</strong> numa veia,<br />
esta formava coágulos ou se fechava em autodefesa. Injeta<strong>da</strong> na derme, a pele necrosava. Só podíamos fazer<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 27