A dádiva da dor - Philip Yancey.pdf (1,8 MB) - Webnode
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Tirei algumas fotos de sua mão para acrescentar ao meu arquivo ortopédico e depois o enviamos à clínica a fim de<br />
receber um curativo.<br />
— Esse é um grande problema aqui — explicou Bob quando o jovem saiu. — Esses pacientes ficam como que<br />
anestesiados. Eles perdem to<strong>da</strong>s as sensações de toque e de <strong>dor</strong>. Temos então de observá-los cui<strong>da</strong>dosamente.<br />
Eles se ferem sem saber.<br />
Como poderia alguém não notar um corte como aquele?, pensei. Com base na pesquisa de Tommy Lewis, eu<br />
sabia que até 21 mil sensores de calor, pressão e <strong>dor</strong> se aglomeram numa polega<strong>da</strong> quadra<strong>da</strong> <strong>da</strong> ponta do dedo.<br />
Como ele não sentiria a <strong>dor</strong> de um ferimento como aquele? To<strong>da</strong>via, o rapaz não mostrara de fato qualquer sinal<br />
de desconforto.<br />
Continuamos a visita e Cochrane, um dermatologista, começou a descrever variações sutis na cor e textura de<br />
porções de pele seca sintomáticas <strong>da</strong> lepra.<br />
— Note as diferentes reações entre uma mancha e uma borbulha, um nódulo e uma placa — disse ele,<br />
apontando para pacientescuja pele havia sido infiltra<strong>da</strong> pela moléstia.<br />
Eu ain<strong>da</strong> estava pensando no jovem tecelão com o dedo sangrando e a preleção sem fim começava a aborrecerme.<br />
— Bob, já aprendi o suficiente sobre pele — interrompi finalmente. — Fale-me sobre ossos. Olhe as mãos<br />
<strong>da</strong>quela mulher. Ela não tem mais dedos, apenas tocos. O que aconteceu aos dedos dela? Eles caíram?<br />
— Sinto muito, Paul, não sei — replicou ele bruscamente e voltou à preleção sobre pele.<br />
Interrompi de novo:<br />
— Não sabe? Mas, Bob, esses pacientes vão necessitar de suas mãos para poder sobreviver. Algo está destruindo<br />
o tecido. Você não pode deixar que essas mãos apenas definhem.<br />
As sobrancelhas de Cochrane levantaram de um modo que reconheci como uma última advertência antes <strong>da</strong><br />
explosão de uma tempestade. Ele fincou um dedo em meu estômago.<br />
— E quem é o ortopedista aqui, Paul? — in<strong>da</strong>gou. — Eu sou dermatologista e estudei esta enfermi<strong>da</strong>de<br />
durante 25 anos. Sei praticamente tudo o que há para saber sobre como a lepra afeta a pele. Mas volte à biblioteca<br />
médica em Vellore e verifique a pesquisa sobre lepra e ossos. Vou dizer o que vai encontrar — na<strong>da</strong>! Nenhum<br />
ortopedista jamais deu atenção a este mal, embora ele tenha aleijado mais pessoas do que a pólio ou qualquer<br />
outra doença.<br />
Seria ver<strong>da</strong>de que nenhum dos milhares de cirurgiões ortopedistas do mundo se interessara por uma doença que<br />
produzia deformi<strong>da</strong>des tão terríveis? Um olhar de increduli<strong>da</strong>de deve ter passado por meu rosto porque Cochrane<br />
respondeu como se tivesse lido a minha mente.<br />
— Você está pensando na lepra como qualquer outra doença, Paul. Mas os médicos, como a maioria <strong>da</strong>s<br />
pessoas, a colocam numa categoria completamente separa<strong>da</strong>. Eles consideram a lepra como uma maldição dos<br />
deuses. Ain<strong>da</strong> conservam a aura de juízo sobrenatural sobre a mesma. Você vai encontrar sacerdotes, missionários<br />
e alguns malucos trabalhando em leprosários, mas raramente um bom médico e nunca um especialista em<br />
ortopedia.<br />
Fiquei silencioso, refletindo sobre as palavras de Cochrane. Estávamos caminhando sob a principal colunata<br />
arquea<strong>da</strong> de árvores na direção <strong>da</strong> sala de refeições. Cochrane acenava e falava com os pacientes enquanto<br />
passávamos. Ele parecia conhecer todos pelo nome.<br />
Um homem fez um gesto para que parássemos e pediu que olhássemos uma feri<strong>da</strong> em seu pé. Ele abaixou-se e<br />
A Dádiva <strong>da</strong> <strong>dor</strong> » 58